sábado, 11 de abril de 2020

CRISTO NÃO DISSE QUE SERIA FÁCIL




Este foi o primeiro livro que escrevi. É um livro dedicado aos dez anos de um trabalho que eu e minha esposa fazemos na nossa paróquia. 

Quis relatar os desafios que enfrentamos para implantar um movimento de jovens que, no início se restringia apenas aos jovens da paróquia, mas com o passar do tempo foi-se espalhando para a cidade toda e hoje já está informalmente consolidado como uma atividade arquidiocesana.

O livro já foi publicado pela Editora LivroRápido, de Olinda-PE, em 2017.


 A capa é uma homenagem aos meus netos. São os rabiscos que eles faziam em casa quando passam algum tempo aqui. Procurava manter esses rabiscos colados na parede do meu escritório de casa. Quando fui escrever o livro, estava pensando como seria a capa do livro e, enquanto pensava, tinha diante de mim um monte de rabiscos. Então veio o estalo: por que não fazer desses rabiscos a capa do livro? Fiz e parece que foi aprovado. Pelo menos os netos aprovaram.



 Ao livro, então.



CRISTO NÃO DISSE QUE SERIA FÁCIL

Os desafios para implantar um serviço na Igreja Católica

 



À minha esposa Cleide, a quem, com toda a legitimidade, os jovens chamam de mãe, pois é uma grande mãe para todos nós, inclusive para mim. Sempre ao meu lado, abraça os meus sonhos com tamanha entrega que os torna seus também.  É o meu maior sustentáculo. Sem o seu apoio, eu teria sucumbido cedo.

Aos nossos familiares, que, nestes dez anos, muitas vezes, se viram privados do nosso convívio para que pudéssemos empreender projeto tão importante para os jovens da nossa paróquia.

 

SUMÁRIO

TEXTO PRINCIPAL


Prefácio
Apresentação
Introdução
Chegar até aqui
Aqui é o meu lugar
Os jovens
Montando o INOVAR
A implementação
O parto
A um passo de chutar o pau da barraca
Abatidas em pleno voo
A pastoral familiar e o INOVAR
As situações limites
Gaveta 1 – O pai assassinado
Gaveta 2 – Duas irmãs e um drama
Gaveta 3 – O pai que foi pro céu
O combustível
Só para os curiosos
                Gaveta 1 – Oficial obedecendo a minha esposa
                Gaveta 2 – Salva por uma dentista
                Gaveta 3 – A neta e seu avô
Por que ficar nesta Igreja?
Por último
Post scriptum



TEXTO PARALELO


Porque trabalhar com os jovens é melhor
Ser ou não ser padre, eis a questão
No meio do caminho, o De Molay
A questão do acolhimento
Anjos e arcanjos
Missa cheia, igreja vazia
A Igreja de cada padre
Pastoral da juventude ou juventude em pastoral?
Alta taxa de mortalidade de grupos de jovens
A questão do exemplo
Planejar é preciso, o êxito não é preciso
A soberba nossa de cada dia
O fator persistência
Plano “B”, planejar ou improvisar
A missa de encerramento
Pequenina, mirradinha e grande pessoa
Encontro ou retiro
Para quantos jovens
Cadê a Casa Betânia que estava aqui?
A cidade na palma da mão
Cobrar ou não, taxa de inscrição
O fator dinossauro
Segurando os jovens no encontro
Avaliar pra quê?
“Em” ou “no” Cristo libertador
A necessidade de atender namorados
Qual idade batizar
Por que saber doutrina da Igreja
Os sacrifícios de cada sacramento


PREFÁCIO
 

Um maná para alimentar gerações

Carlos Dignez Aguilera

O desafio de prefaciar “Cristo não disse que seria fácil” me honra, como jornalista e escritor, e me ilumina o espírito, como homem.

Honra, por dois motivos: primeiro, por se tratar, o autor, Jonas Viana de Oliveira, de um personagem que admiro e por quem nutro um respeito absoluto; segundo, pelo perfil da obra, que retrata, com coragem e sabedoria, a luta para a implantação de um projeto vitorioso, o INOVAR, numa empreitada desafiadora e extremamente importante para o universo que abrange, além de incursões agudas por questões sensíveis no âmbito da Igreja Católica.

Ilumina o meu espírito, também, por dois motivos: primeiro, por ter como um dos seus eixos principais uma verdadeira cruzada em defesa da juventude, mais objetivamente quanto a profissão da sua fé e a sua participação na vida da Igreja, mas, com um olhar perspicaz e generoso quanto a sua preparação para o enfrentamento do viver; segundo, por propor, de forma serena, responsável e corajosa, uma discussão importante sobre a postura das instâncias diretivas da instituição e de como isso se reflete na conexão com a comunidade.

O livro trata de, principalmente, dois temas, que se entrelaçam, tendo o jovem como elo, mas que têm personalidades vigorosas: a mecânica do sofrido processo de implantação de um projeto, de relevância social, e o papel da juventude no universo da Igreja católica. Ambos os temas com variantes que conduzem o leitor por ambientes instigantes, como, por exemplo, a questão postural no exercício do poder, com destaque para a hierarquia da Igreja e para as reações comportamentais do ser humano diante das vicissitudes que a vida impõe.

“Cristo não disse que seria fácil” trata-se de uma obra literária mais do que necessária; imprescindível, inclusive como registro técnico e histórico do INOVAR, um fato sócio religioso de suma importância para a sua comunidade, tanto que rompeu as fronteiras locais e avançou na sua abrangência.

A narrativa, por escolha do próprio autor, considerando o jovem como o seu público alvo, é simples e objetiva, sem, no entanto, comprometer o conteúdo. O texto caudaloso, fácil de ler e de compreender, transmite a sua proposta de forma cumpridora, demonstrando, inclusive, um rico repertório linguístico.

A abordagem, inteligente, prima pela decência e pela generosidade, na medida em que, por exemplo, respeita e protege individualidades, mesmo ao relatar os seus eventuais tropeços, enquanto destaca e enaltece as atitudes positivas, por vezes próximas de heroicas, de alguns agentes do processo de implantação do INOVAR.

Leve, porém sem abrir mão da profundidade dos mergulhos incisivos, quando o tema pede, trata-se de uma obra corajosa, posto que não falseia diante de assuntos delicados e, por vezes, incendiários. É uma referência legítima e essencial para a continuidade do INOVAR, além de se configurar em poderoso agente fomentador de reflexão, para os jovens, principalmente, mas também para todos aqueles que falharam diante da proposta do projeto, devendo, esses, tomar a provocação do autor à guisa de estímulo para repensar as suas posturas e as suas atitudes, jamais o contrário.

Jonas se esmera como narrador, transitando com maestria e extrema liberdade entre o micro, que são as minúcias do processo de implantação do INOVAR, e o macro, que é a discussão sobre a doutrina, por exemplo.

Ao mesmo tempo em que questiona aspectos estruturais embaraçosos, o autor impõe uma defesa inquebrantável do seguimento do cristianismo por meio da Igreja Católica. “Quem é a Igreja e quem a possui? As respostas para essas duas perguntinhas é apenas uma palavra: eu. Isso mesmo, para a pergunta quem é a Igreja? A resposta é: eu. Eu sou a Igreja e sem mim ela não vive e não existirá. À segunda pergunta: quem possui a Igreja? a resposta é: eu. A igreja me pertence, então, eu, além de ser a Igreja, também a possuo. Diante disso, então, se a Igreja sou eu e a Igreja é minha, qual a finalidade de eu pensar em sair desta Igreja? Estaria eu deixando a mim mesmo?” - provoca Jonas.

Em dados momentos do texto, nos deparamos com dois Jonas; o executivo, responsável pela coordenação da implantação do INOVAR, e o fiel católico, respeitando e acatando decisões das instâncias diretivas da Igreja, ainda que, eventualmente, cônscio de que, apenas por disciplina, se vergava diante de algumas atitudes que sempre entendeu estarem na contramão do ideal.  Vale registrar, aqui, a falta de consciência ou de compreensão, por parte da autoridade paroquial, no tocante a necessidade da presença de um padre durante os três dias da edição de um INOVAR. Ora, o projeto é resultado de mobilização da comunidade, cuja proposta é pavimentar um caminho para a aproximação do jovem com a Igreja, no entanto, não sensibilizou aqueles que têm o poder de decisão, para a importância da presença de um sacerdote no andamento do evento. Quando se discute o afastamento da juventude da igreja, há que se tomar, sim, como exemplo, isso que acontece no INOVAR, pois a comunidade está lá, o jovem está lá, mas a igreja, na representação mais emblemática do exercício da fé, que é a presença do padre, não está. O jovem, quando sensibilizado, vai, sim, ao encontro da igreja. Agora, para que isso frutifique mais fortemente, é preciso que a igreja vá, plenamente, ao seu encontro.

“Eu quero que (os jovens) se façam ouvir, também, nas dioceses, quero que saiam, quero que a Igreja saia pelas estradas, quero que nos defendamos de tudo o que é mundanismo, imobilismo, nos defendamos do que é comodidade, do que é clericalismo, de tudo aquilo que é viver fechados em nós mesmos”, disse o Papa Francisco, no Encontro com os Jovens Argentinos, na Catedral de São Sebastião, em julho de 2013.

Na Santa Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, o Santo Padre voltou a ressaltar a importância do jovem: “A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da alegria que lhes caracterizam! Um grande apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado José de Anchieta, partiu em missão quando tinha apenas dezenove anos! Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o caminho a ser percorrido por vocês!”

As manifestações do Sumo Pontífice acenam fortemente para a premência da Igreja por iniciativas com o perfil e os objetivos do INOVAR. Há que se perguntar, então, porque os esforços de abnegados, como Jonas e a sua equipe de jovens, encontram tanta resistência de determinados setores. Cristalino está que o inconformismo do autor, diante de tal quadro, é bastante razoável.

A obra, além de retratar a imprescindível luta de todos os que se envolveram na implantação do INOVAR, deixa mensagens sólidas e saudáveis para os jovens, ensinamentos que podem ser cruciais no encaminhamento das suas vidas.

Jonas demonstra, aqui, uma perfeita compreensão do complexo perfil da Igreja, por exemplo quando a define como santa e pecadora. Não existem duas igrejas; a igreja é una e é santa, porque foi criada por Jesus Cristo. Em tal unicidade, no entanto, há algumas faces, uma delas, a pecadora. “Homens pecadores, mulheres pecadoras, sacerdotes pecadores, bispos pecadores, cardeais pecadores, Papa pecador? Todos. Algum de vós está aqui sem os próprios pecados?” – questionou o Papa Francisco, em audiência geral na praça de São Pedro, completando – “Como pode ser santa uma igreja assim? A igreja não é santa pelos nossos merecimentos, mas porque Cristo a tornou santa com a sua morte, na cruz... a igreja é santa porque provém de Deus... mas o Senhor quer ouvir-nos dizendo: Perdoai-me.. ajudai-me a caminhar... transformai o meu coração... e o Senhor pode transformar os corações e nos ajudar... a santidade não consiste no fazer coisas extraordinárias, mas no deixar Deus agir”.

Lutem pela nossa igreja, não a abandonem, jamais e por razão nenhuma. Ajudem-na na sua santidade, é o brado que o autor faz transbordar desta obra e que, junto com a equipe do INOVAR, vem fazendo transbordar a cada edição do encontro.

Depreende-se do livro que o jovem precisa ter a igreja dentro de si. Assim, ele será invencível na sua luta por tornar a Igreja jovem. E, nesse aspecto, creio, o INOVAR é uma benção. Uma frase de João Paulo II pode ser decisiva para tal reflexão: “A Igreja só será jovem, quando o jovem for Igreja”.

“Cristo não disse que seria fácil”, mas pode, sim, se tornar fácil, na exata medida em que todos recolham desta obra a mensagem e a compreensão cristalina que o autor nos oferece sobre a fé e sobre o papel do jovem na vida da Igreja.

Assim, humildemente, vos apresento “Cristo não disse que seria fácil”, uma obra que o autor consegue o milagre de tecê-la simples, mas, ao mesmo tempo, preserva a sua profundidade, cujo conteúdo, creio firmemente, é um maná para alimentar gerações.

"Serão vocês, jovens, que recolherão a tocha das mãos dos seus antepassados e viverão no mundo no momento das mais gigantescas transformações”
Papa Paulo VI


Carlos DIgnez Aguilera é jornalista, poeta e escritor.


APRESENTAÇÃO

 


É com grande satisfação que apresento este trabalho a vocês, mesmo àqueles que não acompanharam os desafios destes dez anos. Procurei escrever um livro que possa interessar a todos, inclusive aos que nunca tiveram contato com o INOVAR. Busquei uma forma bem acessível, procurando utilizar a linguagem de todas as idades, que é a linguagem do jovem. Sempre achei que se conseguirmos atingir os jovens com as nossas mensagens, todos serão atingidos. Por isso, decidi pela linguagem mais coloquial dessa meninada, que sempre nos chama para o seu meio.

Há, aqui, dois textos, graficamente diferenciados e entrelaçados, para melhor visualização, na medida em que os seus segmentos se completam, no sentido de ampliar a perspectiva de compreensão do tema.  

O primeiro texto é uma sequência relativamente lógica do tema, retratando, de uma forma mais ou menos cronológica, alguns desafios que enfrentamos nestes dez anos para vermos implementado o projeto que sonhávamos. Esse texto, para efeito de sumarização, foi chamado de “texto principal”.

O segundo texto se desenvolveu de forma aleatória. Conforme o livro foi ganhando corpo, se impôs a necessidade de discutir algumas ideias e fatos que pudessem explicitar alguns dos conceitos apresentados no texto principal ou de explicar porque se tomou uma determinada decisão, em detrimento de outras. Esse foi chamado, no sumário, de “texto paralelo”.

Lendo somente o texto principal, o leitor estará em contato com a proposta deste livro. Lendo a ambos, encontrará no texto paralelo um importante substrato, principalmente com opiniões pessoais, que ampliará a perspectiva do tema. O paralelo não é uma sequência e, portanto, são textos soltos, que surgem sem que haja, necessariamente, conexão, uns com os outros.

Espero que todos tenham uma boa leitura e que, no capítulo final, possamos nos encontrar mais atentos, mais alertas e, principalmente, com um olhar mais amplo e sólido sobre o tema, afinal, Cristo não disse que seria fácil.


INTRODUÇÃO


 


A decisão de escrever este livro se impôs a partir de uma necessidade pessoal, minha, de tentar contribuir, mostrando às pessoas que a nossa Igreja tem muitos defeitos, mas tendo, sempre, por principal diretriz, que ela é a nossa Igreja e, portanto, temos o compromisso de lutar por ela. Cansei de saber, e até de testemunhar, casos de pessoas que se diziam católicas, mas que abandonaram a Igreja em razão de obstáculos enfrentados, aqui, para o seguimento do cristianismo. Alguns passaram a frequentar outras paróquias, outros migraram para propostas alternativas, se tornando “evangélicos”, com todos os dissabores inerentes a quem abandona a sua religião ou a sua Igreja.

Então, vi a necessidade de mostrar que, independente da posição das pessoas que causam esta vontade de abandonar o seguimento, ninguém, mas ninguém mesmo, é importante o suficiente para nos fazer sair da Igreja criada por Cristo e erguida pelos seus apóstolos e discípulos. Lembrando, sempre, de duas coisas muito importantes: Primeiro, a Igreja somos nós, ou seja; cada um e todos nós somos a própria Igreja e se a deixarmos estaremos abandonando a nós mesmos. Segundo, a “igreja é santa e pecadora”. Vale dizer; é santa porque foi fundada por Jesus Cristo e é pecadora porque é tocada pelos homens. Os homens pecam e Deus o sabe. Se Ele nos quisesse perfeitos, não nos teria feito humanos.

Talvez o contato com a verbalização de muitos leigos, que atuam nas Igrejas Católicas de todo o mundo, tenha me impulsionado a decidir narrar um pouco dos obstáculos que enfrentei para implantar, na minha paróquia, um serviço que, atualmente, já rompeu a barreira paroquial e atinge não só toda a nossa cidade, como também jovens de outros municípios e estados, que já nos honram com a sua participação.

Claro que estou narrando, aqui, os casos que vivenciei na minha paróquia, mas, com certeza, a narrativa deve refletir um quadro idêntico ao de muitas, senão de todas, paróquias da nossa querida Igreja Católica Apostólica Romana. O que me conforta, e ao mesmo tempo me inquieta, é que, pelos contatos que tenho com pessoas que exercem a sua fé em outras denominações cristãs e que revelam os problemas que enfrentam, percebo que não é só a nossa Igreja que sofre com este fenômeno.

Narrei muitas situações e não foi possível descrevê-las sem narrar os acontecimentos que as geraram. Logo, muitas pessoas vão se reconhecer nos fatos narrados aqui. Apesar de  não citar nomes, em nenhum momento, as pessoas que viveram cada situação saberão que é delas que estou falando. Não houve outro jeito. Como procurei ser o mais fiel que pude aos fatos, é possível que alguns deles se mostrem mais desfavoráveis para esse ou aquele personagem, mas, nada é pessoal. Jamais narrei um fato de forma diferente do que aconteceu. Em alguns casos, foi necessário atribuir um valor à atitude da pessoa envolvida, senão a narrativa não se completaria. Peço desculpas a quem por ventura se sentir ofendido, esperando que entendam que não é esse o objetivo.

É necessário, também, considerar que as pessoas envolvidas nos fatos narrados eram muito jovens, à época das ocorrências. Naturalmente, cresceram e amadureceram, inclusive alguns se tornaram profissionais respeitados e aquelas ocorrências, às vezes desfavoráveis, foram importantes para ajudá-los no seu processo de transformação. Hoje, a maioria deles, que me ajudaram com os seus erros e acertos, se tornaram meus amigos inseparáveis. Alguns frequentam a minha casa e existe um respeito mútuo entre nós, que espero nunca se acabar. É preciso deixar claro que tudo foi um processo de um sonho, que ainda está em construção, e que, durante qualquer processo, se cometem erros e acertos. Os erros devem servir para corrigir trajetórias e os acertos para lubrificar a máquina a fim de que não deixe de funcionar da maneira correta.

Espero que esse livro atinja o seu objetivo, pois foi escrito com o intuito de contribuir, mesmo de forma modesta, com a construção do reino de Deus, mostrando que lutar pela nossa Igreja sempre vale a pena.



CHEGAR ATÉ AQUI



Na minha caminhada religiosa frequentei duas igrejas cristãs. Primeiro, a Assembleia de Deus, que é a Igreja dos meus pais e que, por óbvio, foi para onde me levaram durante a minha infância. Esse acompanhar dos meus pais durou até os meus oito anos de idade, quando consegui minha primeira ocupação fora da minha casa, num emprego formal, em que era necessário estar presente, diariamente, e, claro, ao final do mês, recebia um salário. Antes disso, desde a minha mais tenra infância, sempre ajudei os meus pais, sobretudo na lavoura, mas considero como emprego informal, já que o chefe era o meu próprio pai e, por mais que um menino de cinco, seis ou sete anos possa pegar uma enxada e carpir uma plantação, é apenas um serviço, na medida em que serve diretamente aos interesses da família, mas não chega a ser um emprego. Não pelo ponto de vista da criança. Até porque, nem salário tinha.

Mas, aos oito anos, tive a tal oportunidade de conseguir um emprego que proporcionava receber, mensalmente, uma quantia em dinheiro, que nem me lembro o quanto era, mas que já servia para comprar alguma coisa para mim ou para a minha família. Recordo que, ao receber o primeiro pagamento, comprei um Conga branco. Quem é daquela época sabe o que é um Conga. Foi a primeira vez que calcei alguma coisa diferente de chinelos ou de um ou outro alpargata, ganhado de alguma pessoa bondosa. Alpargata hoje é cult, mas, à época, era o calçado mais acessível que alguém poderia ter. Quando alguma alma bondosa nos doava algum usado, era o suficiente até para a gente dormir com aquela lindeza nos pés. Deixávamos o presente para as situações especiais, como ir aos cultos da Assembleia de Deus.

Esse emprego, então, numa casa de família, me proporcionou coisas por mim desconhecidas, como comer carne na maioria dos dias da semana. Isso era o máximo. Imaginem eu, então, com a possibilidade de andar calçado com alguma coisa diferente de chinelo e de alpargata velho e, ainda, podendo comer carne na maioria dos dias.
Assim, foi nesta época que deixei de frequentar a Igreja dos meus pais, seja pela falta de insistência deles, seja pela minha pouca vontade de fazê-lo. A partir de então, segui a minha vida sem a preocupação de ter uma religião. Aliás, não tinha religião mesmo.
Como a Igreja dos meus pais, doutrinariamente, não batiza crianças com menos de doze anos, preferindo batizar as pessoas já adultas, não fui batizado até o momento em que abandonei o seguimento da Igreja da minha família. Como não batizado, eu era não cristão. Simples assim, já que é o batismo que torna a pessoa cristã, seja qual for a denominação da Igreja que frequenta.

Segui, portanto, sem religião e sem frequentar qualquer Igreja, pois os meus pais não conseguiram continuar me levando para a sua e eu não tinha interesse de frequentar a Igreja deles ou qualquer outra. Assim, segui por aí, até que aconteceu um fato que marcou e mudou a minha vida e os meus conceitos sobre religião, para sempre.

A cidade onde morava tinha, na época, como padroeira Nossa Senhora da Conceição. O dia desta Santa, oito de dezembro, coincidia com a data de fundação da cidade e foi declarado feriado pela municipalidade. Na véspera deste feriado, a todo ano, acontecia na cidade um carnaval fora de época. Que saudade me dá deste evento. Uma nota, à margem do tema, merece destaque: Foi num desses carnavais fora de época que conheci aquela que seria a minha primeira namorada, que se tornaria a minha esposa e que, há mais de quarenta anos, vive comigo, sendo a mãe dos meus filhos, a avó dos meus netos e que deverá ser a pessoa que estará chorando ao lado do meu caixão, ou que estarei eu chorando ao lado do dela, quando Deus nos chamar. Bendito carnaval fora de época. Pois foi, também num desses carnavais, que aconteceu o fato determinante para eu deixar da minha vida de sem religião.

Por volta das três horas da madrugada, carnaval comendo solto, surge uma notícia no salão, que logo se espalha como quando se coloca fogo num rastilho de pólvora: estava no bar do clube, onde se realizava o carnaval, um padre, recém-chegado à cidade, tomando cachaça. Isso mesmo! Acabara de chegar um padre à cidade e ele estava, ali, no boteco do clube, tomando pinga. Corria o ano setenta do século passado. Imaginem o rebuliço que isso causou no salão. Não tardou muito e o padre estava cercado de jovens curiosos por saber de onde aparecera aquele lunático, que se dizia sacerdote da Igreja Católica. Apesar de o carnaval fora de época ser frequentado principalmente por jovens, vários adultos também estavam presentes, pois era um evento que estava se tornando tradicional na cidade. Entretanto, não se sabe o porquê, ao redor daquele padre, naquele momento, estava um público majoritariamente jovem. Parece que a novidade não foi considerada muito exótica pelos adultos, ou estes aproveitaram que o salão esvaziou-se de jovens para dançarem mais à vontade, pois, apenas os jovens se sentiram atraídos por aquele sacerdote. Desnecessário narrar o frisson que aquela presença nos causou. Ficamos todos muito impressionados com aquela pessoa, ali, nos convidando a participar de alguma atividade da Igreja. Em outras palavras, estava diante de nós um pescador de jovens.

Esse acontecimento se deu em sete de dezembro de setenta, uma segunda-feira. Consta que na missa matinal do domingo seguinte, dia treze, havia um número maior de jovens do que o habitual, vários deles oriundos daquele encontro do padre com o pessoal no clube, onde se realizava o carnaval fora de época que precedia os festejos da padroeira da cidade. Bom que se diga que o baile não era promovido pela Igreja. Era uma promoção do próprio clube do município.

Apesar de eu estar presente àquele encontro com o padre no clube, não fui um dos que foram à missa no domingo seguinte. Entretanto, aquele encontro não saiu mais da minha cabeça. Até hoje, ainda sou movido por aquela figura exótica, ali, plantada no meio de um contingente enorme de jovens, em pleno baile de carnaval, nos lançando desafios enormes no campo religioso. Detalhe: nem português correto ele falava. Era um padre de um instituto de missões estrangeiras, recém-chegado da Itália, com as dificuldades naturais de um estrangeiro quando chega a um país desconhecido. Nem isso o fez se comunicar menos conosco.

Seguiu-se o curso, o ano seguinte chegou e fui envolvido por diversos amigos que também estavam no clube naquele dia e que iniciaram de imediato a sua participação nas coisas da Igreja. Envolvi-me de tal modo neste emaranhado que no natal de setenta e um eu já era batizado na Igreja Católica Apostólica Romana, na missa do galo, cuja celebração da liturgia foi feita pelo vigário da cidade e o meu batizado feito por aquele padre que nos encontrou no carnaval.

O batizado foi, como não poderia deixar de ser, apenas a porta de entrada. Tive o privilégio de ser conduzido, nos meus primeiros passos na minha Igreja, por uma pessoa que de tão íntegra, parecia uma vestal; de tão justa, parecia um tribunal celestial; de tão crente, parecia a própria fé. Esse padre, o mesmo que estava lá, naquele carnaval, até hoje me dá um apoio imprescindível para meu seguimento do cristianismo. Por sinal, foi o mesmo que presenciou o início do meu namoro com a minha esposa e o mesmo que veio celebrar a missa quando eu e ela completamos quarenta anos de casados, em janeiro de dois mil e dezesseis.

Talvez pela pescaria que presenciei naquela ocasião, lá no clube, eu tenha trabalhado, até hoje, na minha Igreja, preferencialmente com jovens, apesar de, aqui e ali, também ter atuado com adultos. Mas, trabalhar com os jovens sempre me deu mais satisfação.

POR QUE TRABALHAR COM
JOVENS É MELHOR
Trabalhar com os jovens é muito melhor do que trabalhar com os adultos, por um motivo simples: a sinceridade. O jovem é mais sincero do que o adulto para se trabalhar na Igreja. Quando o jovem não concorda com determinada coisa, ele chega e fala, “na lata”, e, mesmo que abandone a caminhada, você sempre saberá porque o jovem a abandonou. Diferentemente, o adulto, quando não gosta de alguma coisa, abandona a caminhada, quase sempre sem que a gente saiba a motivação. Portanto, o jovem é mais transparente, por sua espontaneidade.

Aquela pescaria me levou a trabalhar também como “pescador de jovens” e, dentro desse escopo, aceitei o convite daquele padre do baile, para ser chefe de escoteiros de um grupo que ele estava iniciando na cidade, vinculado à nossa Igreja.

Sabemos que, apesar de o escotismo não possuir uma religião oficial, prega uma certa espiritualidade, que é atingida mais facilmente quando se está vinculado a uma crença ou a uma religião. Por isso, a direção do escotismo até incentiva a formação de grupos vinculados às Igrejas. Assim, foi que se abriu a porta de entrada para eu trabalhar com os jovens, no âmbito da Igreja Católica, por meio do escotismo.

O tempo correu. No ano seguinte ao meu batizado, participei pela primeira vez de um encontro de jovens realizado por aquele mesmo padre do baile. Esse encontro foi um divisor de águas na minha vida. Mexeu definitivamente com a minha percepção da religião. Diria mesmo que foi mais do que um encontro, foi uma trombada que tive com Jesus Cristo. Dali para a frente, nunca mais pude imaginar a minha vida sem a presença de Cristo, o nosso amigão, como o chamávamos. Nas horas de angústia é ao grande amigo que a gente recorre e tudo se resolve.

SER OU NÃO SER PADRE,
EIS A QUESTÃO.
Mais ou menos na mesma época em que dei a “trombada” com Cristo, que mudou a minha vida, iniciei o relacionamento com a minha primeira namorada, que se tornou a primeira noiva, que se tornou a primeira esposa e fui tocando a vida. Ah, é bom falar que ela se tornou a primeira companheira, a primeira cúmplice, a primeira avó dos meus netos e, confio e tenho fé, será a única namorada, a única esposa, a única companheira, a única cúmplice e a única avó dos meus netos. Mas, quando o namoro começou, estava tão absolutamente convencido de que minha vida jamais seria apartada de Cristo, que considerei efetivamente a possibilidade de me dedicar ao sacerdócio. Isso mesmo, cheguei a conversar seriamente com a minha namorada sobre a possibilidade de eu vir a ser padre. Não sei o que me levou a desistir da ideia, mas desisti, e, sinceramente, acho que foi a melhor decisão que tomei na vida. Não sei se teria vivido com a mesma intensidade o sacerdócio como vivo o matrimônio. Hoje, acho que a minha vocação era mesmo para o sacramento do matrimônio e não para o sacramento da ordem.
O início do namoro foi assistido por aquele padre que apareceu no baile. Aliás, ele era diametralmente contrário àquele relacionamento. Eu, um jovem com dezessete anos, ela, uma criança que ainda não completara quatorze. “Vocês são muito novos, vão se machucar”, dizia aquele santo padre. Apesar de ele ser contrário, não havia força no mundo que nos afastasse dele. Ao contrário, durante toda a vida, até hoje, cada dia que passa, vemos o quanto a nossa vida é melhor por termos nos aproximado daquele homem. O tempo provou que ele estava errado. Não nos machucamos e faz quase cinquenta anos que esse namoro dá certo.

Mudei de cidade, casei e vieram os filhos. Quando os filhos nasceram, tomei uma decisão e convenci a minha esposa a aceitar o que, com certeza, não decidiria hoje, depois de entender bem mais sobre as coisas da minha religião: Entendi, à época, que deveria deixar meus filhos sem serem batizados, pois se fizesse o contrário, estaria impondo-lhes uma religião desde o início de suas vidas. Assim, com tal argumento, foi que convenci a minha esposa a aceitar o meu pensamento. Para mim, isso era a liberdade levada às últimas consequências, já que seriam os meus filhos que iriam decidir a qual religião seguiriam.

Antes que o meu primeiro filho completasse dois anos de idade, nos afastamos um pouco das coisas da nossa Igreja. A desculpa foi a dificuldade para participar das atividades pastorais, por estarmos, à época, vivendo numa cidade muito grande. Trabalhando a semana inteira, os finais de semana deveriam ser aproveitados para outras coisas. Era assim que eu me escudava para não participar, durante algum tempo, das coisas da nossa Igreja.

Nasceu o segundo filho. Mantive o mesmo posicionamento: ficou sem o batismo. Mas, eles cresceram e, um belo dia, os dois decidiram que queriam ser batizados. Escolheram, cada um deles, os próprios padrinhos e o batizado aconteceu quando o mais velho tinha treze anos e o mais novo quase onze.

Os filhos foram crescendo e nunca os deixei faltar à escola, tampouco os fazia faltar à aula por causa de compromissos que pudéssemos assumir. Só assumíamos aquilo que não envolvesse sacrificar as aulas dos filhos. Um belo dia, meu filho mais velho me propôs participar de um encontro de jovens, mas, para isso, teria que faltar a uma aula, no sábado, já que o encontro começava na sexta-feira, à tarde, e só terminaria no domingo, à noite. Meu filho não entendeu direito porque eu concordei, de pronto, que ele fizesse o encontro, embora faltasse à aula do sábado. Somente quando terminou, depois que ele sentiu a mesma coisa que eu havia sentido, vinte anos antes, eu lhe contei porque o permiti.

Esse encontro serviu como porta de entrada para os meus dois filhos começarem a participar das coisas da minha Igreja, já que o mais novo seguiu o mesmo caminho do mais velho. Logo, os dois estavam envolvidos com o grupo de jovens da Igreja Católica e passaram a fazer parte da equipe que conduzia aquele movimento. Uma das atividades desses jovens era um encontro que se realizava uma vez por ano. Era uma equipe de mais ou menos quinze jovens, responsáveis por conduzir o movimento e realizar o encontro anual. Meus filhos envolvidos, sobretudo o mais novo, acabaram me levando, junto com a minha esposa, de volta a participar das coisas da minha Igreja, de novo com os jovens, graças a Deus.

A participação dos adultos só era solicitada durante os encontros anuais, já que as outras atividades os jovens as conduziam com a competência que sempre demonstraram. Entretanto, durante o encontro, os jovens necessitavam de gente para cozinhar, para dirigir ou para exercer algumas atividades próprias de adultos. Desta forma, nós, os pais de vários daqueles jovens que participavam da equipe de dirigentes, sempre nos colocávamos à disposição para servirmos da forma que eles quisessem. Lembro-me de que, algumas vezes, algum jovem chegava para mim e dizia: “tio Jonas, um palestrante vai faltar, será que você pode dar uma palestra aos jovens mais tarde”. Lá ia eu me preparar para dar uma palestra sobre o assunto programado, às vezes sem ter muito tempo para tal preparação, mas passava na capela, me entregava para o Chefe e pedia para Ele transmitir a mensagem que aqueles jovens estivessem precisando. Sempre dava certo, pois como sempre digo: o patrão é muito bom. Noutras vezes, vinha algum jovem pedindo: “tio Jonas, você pode ir buscar um botijão de gás”. Lá ia eu atrás de um botijão de gás para atender os meninos. Ou seja, estávamos ali para resolver qualquer problema. E éramos acionados com muita frequência. A convivência minha com os jovens, neste período, só reforçou a ideia de que eu era vocacionado para trabalhar com eles.

NO MEIO DO CAMINHO; O DeMolay.
Sempre recebi convites para me integrar à maçonaria, mas sempre declinei deles. Nunca aceitei os convites por conveniências pessoais, jamais por ser contra a maçonaria, embora nossa Igreja Católica seja oficialmente contrária a essa sociedade, que alguns chamam de ordem. Portanto, a minha recusa em aceitar os convites para me tornar maçom, tem mais a ver com a disponibilidade de convivência familiar do que com qualquer posicionamento contrário.
Certa feita, meu filho mais velho chegou com a novidade de que alguém o teria convidado para frequentar a Ordem DeMolay. Quem o convidou, por sinal, foi uma pessoa com a qual eu trabalhava. O filho mais velho entrou para a Ordem e levou o filho mais novo também.
Não sei se todos sabem o que são os DeMolays, mas, numa explicação bem simplista, pode-se dizer que se trata de um grupo de jovens formado dentro da maçonaria, acompanhado pelos maçons, que procura transmitir a seus participantes alguns valores muito caros à humanidade. Esses valores são resumidos nas sete virtudes cardeais que são pedidas para os DeMolays seguirem: Amor filial; Reverência pelas coisas sagradas; Cortesia; Companheirismo; Fidelidade; Pureza e Patriotismo.
A participação dos meus filhos naquele grupo de jovens da Igreja Católica e na Ordem DeMolay foi determinante na formação deles. Hoje, os vejo praticarem atos tão edificantes que seria impossível apenas a família os ter transmitido, por mais que nos esforçássemos.

Seguiu o barco. Mudei de estado e cheguei aqui, há mais ou menos vinte anos, onde continuei a participar das coisas da minha Igreja. Começamos a participar da Pastoral Familiar, sobretudo a minha esposa, com mais intensidade, já que decidi fazer um segundo curso superior, nesta mesma época. Terminado o curso, me alinhei com mais afinco à minha esposa e, com todas as forças, me lancei a participar das atividades pastorais, especialmente incentivado por outro padre italiano que dava dignidade para a nossa participação nas funções leigas da Igreja. Até que, em dois mil e oito, surgiu o INOVAR.



AQUI É O MEU LUGAR



Em pleno inverno amazônico, cheguei por estas bandas precisando conquistar a tudo e a todos. Sem ter uma residência para morar, fui parar, com a minha esposa, em um hotel, onde residimos, durante um mês, e iniciamos as nossas conquistas em solo nortista. Tudo muito estranho, tudo novo, tudo diferente. Mas uma coisa percebia no ar: as pessoas daqui eram muito acolhedoras. Deve ser pelo fato de serem, em sua maioria, forasteiros como eu o era. Creio que isso levava todos a entender o que as pessoas recém-chegadas tinham necessidade de encontrar. Com isso, minha chegada aqui foi menos ruim do que imaginava.

A QUESTÃO DO ACOLHIMENTO
Durante o primeiro mês em que moramos no hotel, frequentamos uma Igreja próxima e fomos muito bem recebidos na primeira vez em que participamos de uma celebração, ali. Aliás, quando eu e minha esposa fomos à missa, pela primeira vez, naquela Igreja, lembro-me, ainda, que a celebração era presidida por um Diácono. Ao final da missa fomos chamados lá na frente e todos cantaram uma canção para nós, como boas vindas. Isso me impressionou muito. Tanto que, quando, já tendo deixado o hotel, tivemos que começar a participar da paróquia da nossa região, ficamos bastante tristes por não participar mais daquela primeira paróquia.
Hoje, quando sou escalado para ser animador de uma missa, relembrando o quanto aquele gesto me deixou à vontade, convido as pessoas que estão nos visitando pela primeira vez para ficarem em pé e faço uma saudação especial pedindo uma salva de palmas para eles. Neste momento, a minha vontade é abraçar cada um daqueles que nos visitam pela primeira vez, mas como não é possível, fico só no pedido de palmas. Algumas pessoas comentam, jocosamente, que é a hora do mico, mas somente quem está chegando, pela primeira vez, em um lugar estranho, sabe o quanto uma acolhida dessas faz bem.

Passado aquele mês, adquirimos uma residência que, sem muitos recursos para reformar, demos uma arrumadinha básica e nos instalamos. Havíamos trazidos apenas as roupas, um micro-ondas, alguns pratos e alguns talheres. Durante um bom tempo ficamos dormindo em um colchão jogado no chão e, nos dois anos seguintes, fomos montando a casa com o mínimo necessário para uma família morar. No início do ano seguinte, nosso filho mais novo veio morar conosco e também dormiu no colchão por algum tempo. Mas, felizmente, tudo se ajeitou. O filho mais velho se formou lá no sul e veio morar com a gente, também, mas, quando isso aconteceu, já tínhamos até quarto montado para os dois.

ANJOS E ARCANJOS
Falei que adquirimos uma residência, mas na verdade não foi bem assim. Um casal que já admirávamos, desde quando a gente namorava, reapareceu como um par de anjos em nossas vidas e resolveu a questão de moradia no novo estado. Trata-se de um casal de primos da minha esposa que sempre serviram como ideal a ser seguido.
Ocorre que a vida nos separou, nos mandando, cada casal, para pontos cardeais opostos do país. Mas, quando o destino decidiu nos juntar novamente, no mesmo ponto cardeal, aquele casal possuía um apartamento na mesma cidade em que iríamos residir e este imóvel acabara de ser devolvido pela empresa que o alugava, entregando-o em condição deplorável, depois de um contrato cumprido de forma tumultuada e instável. Como o imóvel ficava na capital e o casal de anjos morava no interior, era difícil o acompanhamento das condições do imóvel.
Neste cenário, chegamos por aqui necessitando de um lugar para morar. Aquele casal, imediatamente, nos disponibilizou o apartamento e nós ficamos de pensar. Não aceitamos, de pronto, porque na nossa cabeça parecia que estávamos explorando aquelas pessoas que tanto admirávamos.
Nos primeiros dias, aqui, no novo Estado, estávamos sempre em contato com aquele casal, já que era uma das únicas referências que tínhamos por essas bandas. Durante essa convivência eles foram minando a nossa resistência e, depois de alguns dias, decidimos aceitar entrar no apartamento deles, pois, além de tudo, era um apartamento que, embora necessitasse de um trato, tinha melhor estrutura do que a maioria dos que encontramos na cidade.
Aceitamos, então, morar no apartamento daquele casal de anjos. Para nos convencer, diziam que se a gente não aceitasse eles não saberiam o que fazer com o imóvel, pois era financiado e a prestação estava vencendo, as próximas iriam vencer e, sem ocupá-lo, o prejuízo seria muito grande. Lógico que eles falavam aquilo muito mais para nos convencer a aceitar do que por outro motivo.
Claro que não tínhamos dinheiro para comprar aquele apartamento, pois seria necessário dar como entrada o valor que eles já haviam pago. Não se pode perder de vista que viemos para recomeçar, sem nenhum recurso. Mas aquele casal, como disse, era composto de anjos. Quando o marido nos entregou a chave, nos disse: “entra lá, continue pagando as prestações e depois a gente vê o que faz”. Foi assim que adquirimos a nossa residência na nova terra.
Com o passar do tempo, quando a situação deu uma refrescada, pagamos algum valor pelo ágio daquele apartamento, mas, ainda assim, foi um valor muito camarada.

Logo que mudamos para o novo endereço começamos a frequentar a paróquia da nossa região. Todos os domingos ia à missa e seguia minha vida de católico “praticante”. Nosso pároco, à época, detestava esta expressão, pois, dizia ele; não existe católico "não praticante”. A pessoa só é católica quando pratica a religião, se não pratica não é católica, logo, ou se pratica e é católico ou não se pratica e não é católico. Mas para mim, uso esta expressão como significado daquelas pessoas que vão às missas aos domingos e, eventualmente, participam de uma ou de outra festa da paróquia. Mas, a nossa Igreja não vive somente disso. O que faz a nossa Igreja seguir em frente são as pessoas que tomam em suas mãos as atividades pastorais. Estes são, para mim, os católicos engajados. Aqueles que fazem a nossa Igreja pulsar forte. Aliás, nossa Igreja chegou até aqui por causa das pastorais, dos movimentos e dos serviços. Essa é a Igreja do dia-a-dia, o resto é festa, que é importante, também, mas que, sem ela, a Igreja sobrevive.

MISSA CHEIA, IGREJA VAZIA.
Nesses dois mil anos de cristianismo, o mundo conheceu vários períodos em que as festas na Igreja foram bem escassas, mas esses períodos foram muito profícuos para o cristianismo, sobretudo para o catolicismo. Isso aconteceu sempre porque os cristãos podiam até gostar de festas, entretanto gostavam mais das atividades pastorais. Por isso, é muito triste quando a gente vê a igreja cheia nas missas e vazias nas pastorais.

Entretanto, neste início, sem conhecer ninguém, frequentava a paróquia sem me envolver com as coisas pastorais. Um belo dia o pároco olhou aquele casal que estava ali, todos os domingos, e fez o convite para que começássemos a participar com mais afinco nas atividades paroquiais. Assim, apareceu mais um padre italiano em minha vida, o qual tive o privilégio de conhecer e me orgulho de tê-lo tido como pároco. Este também, como aquele lá da minha adolescência, marcou profundamente a minha vida religiosa. Esse padre faleceu em oito de outubro de dois mil e dezesseis, na Itália, e me fez órfão de novo.

Depois do convite do padre para participar das coisas da paróquia, minha esposa lançou-se de cabeça nestas atividades e eu fiquei só apoiando a sua participação e a acompanhando em algumas ações. Lembro-me de que, quando ela foi convidada para ser Ministra Extraordinária da Eucaristia, fiz toda a preparação junto com ela, na condição de ouvinte. Entretanto, não foi possível a minha participação mais intensa, pois, à época, eu fazia um curso superior de Direito. Terminado o curso de Direito, voltei todas as minhas forças para participar das questões pastorais da minha Igreja, iniciando por fazer parte da Pastoral Familiar, onde, até hoje, estou envolvido até o pescoço.

A IGREJA DE CADA PADRE
Foi na Pastoral Familiar que tive a oportunidade de conhecer mais de perto todos os párocos que passaram por aqui nas últimas duas décadas.  E sobre esse conhecimento, gostaria de deixar registrada a observação que fiz durante esses anos que tenho participado das coisas da minha Igreja.
O fato de eu conhecer um pouco mais de perto os párocos que passaram pela minha paróquia, nos últimos anos, me fez chegar à conclusão de que se a nossa Igreja Católica não tivesse uma doutrina que deitou raízes nesses últimos vinte séculos, com certeza, já teria sucumbido aos maus tratos que lhes impõem vários de seus membros, sobretudo muitos daqueles encarregados de fazê-la viva e atuante. Chego a essa conclusão porque cada pároco que assume a administração de uma paróquia aplica o seu entendimento do que é a Igreja Católica, fazendo uma Igreja diferente em cada paróquia. Com isso a Igreja que deveria ser una, passa a ser a igreja de determinado padre. Não por acaso, vários fiéis deixam as suas paróquias quando são trocados os párocos.
É ruim isso? Nem sempre. Mas, é frustrante perceber que alguns párocos se esquecem das funções espirituais da Igreja e se preocupam apenas com as questões seculares. A alegação dos párocos que agem desta forma é que é necessário administrar bem o patrimônio da igreja. Ninguém discorda disso. Mas, administrador de bens se encontra aos borbotões em qualquer paróquia, já pastor, daqueles que cuidam efetivamente de suas ovelhas, é raro. Aliás, vivemos reclamando da falta de padres, já que novas vocações quase que desapareceram. Então, se os párocos se preocupassem com as almas e deixassem a administração dos bens para os leigos, estar-se-ia seguindo um caminho melhor para o bem da nossa Igreja, pois o tempo que os padres gastam administrando as suas paróquias, seria dedicado a tratar das almas. E os párocos deixariam de se preocupar com o patrimônio da igreja? Claro que não. Até porque são eles os responsáveis por cuidar dos bens materiais da igreja. Mas isso é possível fazer delegando a pessoas escolhidas para isso e exercendo uma fiscalização amiúde. É desolador ver padres fazendo capacitação para administrar bens e não fazendo capacitação para atender as pessoas.
Mesmo na questão espiritual, cada pároco dá à sua paróquia a cara que entende ser a da Igreja Católica. São posicionamentos importantes que os párocos tomam em relação a vários assuntos relacionados à prática da nossa Religião que, ao final, fazem toda a diferença. São esses posicionamentos, por exemplo, que fazem a gente ver que uma missa é diferente da outra, pois, embora o rito seja o mesmo, algumas missas têm elementos que outras não têm. Em algumas celebrações não se permite cantar o sacramental sinal da cruz, por não ser litúrgico. Noutras, é permitido, entretanto com algumas restrições. Já presenciamos, por exemplo, párocos que não permitiam que o canto do sinal da cruz contivesse a repetição, outros que proibiam o canto quando a fórmula era “em nome do pai e do filho e do espírito santo”, pois esta fórmula denotaria três pessoas diferentes e na santíssima trindade, embora trindade seja uma, o conectivo “e” faz toda a diferença, enquanto a fórmula “em nome do pai, do filho, do espírito santo”, não se estaria deixando subentendido três pessoas. Isso é posicionamento que pode ter raízes históricas ou teológicas ou mesmo falta de um conhecimento mais profundo do pároco. Mas, outras diferenças podem ser percebidas entre um e outro responsável pela paróquia.
A Pastoral Familiar da nossa paróquia sempre disponibilizou aos fiéis o que se convencionou chamar de Casamento Comunitário, que nada mais é do que oferecer a possibilidade para que as pessoas que vivem maritalmente, sem receber o sacramento do matrimônio, regularizem a sua situação. Esses casamentos acontecem uma ou duas vezes ao ano, dependendo da demanda. Um dos párocos que passaram por aqui, nunca fez questão de que os casais apresentassem um par de alianças para receber o sacramento do matrimônio. Alegava ele, até jocosamente, que muitos casais tinham alianças nos dedos e chifres nas cabeças. Era a sua maneira de justificar a não necessidade de um par de alianças para se receber um sacramento. Numa das trocas de párocos, o entrante decretou: “sem aliança não se faz casamento”. Alegava ele: como se pode benzer as alianças, se elas não estão presentes? De novo, deficiência na formação do padre, pois ao invés de benzer a aliança, o pároco parecia querer benzer a joia, ou, por outro lado, ao invés de benzer a aliança representada pela joia, parecia preferir benzer a joia que representa a aliança.  A aliança existe ou não, independente de uma joia que a represente. São dois posicionamentos diferentes para padres da mesma Igreja que, às vezes, faz com que os fiéis fiquem em dúvida sobre o que está certo. Pelas minhas caminhadas, por aí, noutro dia, me deparei com a narrativa de um padre que exigia que os pais se casassem para que o filho pudesse ser batizado. É bom que se diga que os pais da criança podiam se casar, não havia nenhum impedimento. Mas os pais não queriam se casar. Queriam apenas batizar o filho e o padre se recusou a batizar o filho dos pais não casados. Pode-se dizer que o padre cometia neste momento um “delito” canônico, pois estava forçando a realização de um casamento nulo, já que uma das características para que o casamento não seja nulo é a declaração livre de vontade dos nubentes e, a imposição do casamento, como condição para se batizar o filho, não pode exatamente ser definido como uma declaração de livre vontade.
Citei alguns exemplos, mas poderia citar tantos outros. Com certeza, cada um dos fiéis poderá narrar tantas diferenças entre uma paróquia e outra, que, juntando tudo, será possível perceber que, embora a Igreja seja a mesma, existem padres que tentam fazê-la diferente, a cada paróquia, de acordo com o olhar particular do seu pároco.

Quando se observa uma diocese diferente da outra, há que se entender a existência de uma razão histórica para isso. Disse Jesus, em Mateus 16:18: “você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder de morte nunca poderá vencê-la”. Fica claro, então, que Cristo sempre teve a intenção de fundar uma Igreja sua. Conhecedores da intenção do Mestre, os discípulos saíram pelo mundo criando a Igreja de Cristo. O problema é que ninguém tinha um manual de implantação, que indicasse como deveria ser a Igreja que Cristo queria. Diga-se, também, que esses que saíram para fundar a Igreja de Cristo, nem sempre faziam parte dos doze apóstolos. Tudo que os discípulos tinham, era a informação de como Jesus viveu a sua vida terrena. Alguns, os apóstolos, tiveram o privilégio de conviver com o Mestre e, por certo, em algum momento, podem ter conversado sobre os planos do fundador da Igreja. Entretanto, vários daqueles que saíram pelo mundo fundando a Igreja de Cristo, em diversos lugares, sequer tiveram um contato mais amiúde com o Mestre. Cada um desses, então, saiu pelo mundo e fundou, na condição de bispo, a Igreja de Cristo. Pedro ficou na região central da Palestina, com aquela missão que o Mestre lhe deu: ser a pedra angular da construção. Não por outro motivo, o temos como o primeiro Papa.
Então, cada um saiu pelo mundo afora fundando uma comunidade que seguia a Cristo, que deu origem à nossa Igreja. Na verdade, estavam esses discípulos criando uma Igreja particular em cada um desses lugares. A base era o seguimento àquilo que Jesus havia pregado durante a sua vida, mas a maneira como isso seria feito, cada um desses bispos desenvolveu a sua. Assim, é que cada uma das dioceses poderia ser considerada uma Igreja particular e, ainda hoje, a estrutura, no âmbito do Direito Canônico, indica que as dioceses, ou as circunscrições, que é o termo que abarca dioceses, arquidioceses, abadias, ordinariados e demais prelazias, são como uma Igreja Particular, delimitada por um território ou por ritos específicos.
Portanto, seria natural que em cada uma dessas prelazias existisse uma Igreja Particular, mas o que se percebe é que em cada paróquia pode existir uma Igreja Particular, transformando a nossa Igreja Católica em um emaranhado de “doutrinas” que, nem sempre, representa realmente aquilo que está escrito nos documentos da igreja, que foram sendo construído ao longo do tempo, à custa de muito estudo e sofrimento.



OS JOVENS




Conforme a minha participação nas coisas da minha paróquia ia correndo, percebi que havia dois grupos de jovens por lá. Esses grupos, via-se claramente, não tinham uma integração. Um era dissidente do outro. Um deles era dirigido pelas pessoas ligadas à Pastoral da Juventude e outro tocava os seus caminhos sozinhos. Meio de longe, eu acompanhava as venturas e desventuras daqueles jovens. Quantas guerras tinham que vencer para estarem, ali, presentes. A PJ nem sempre ajudava muito. Mesmo o grupo que tinha o apoio integral da PJ parecia não se desenvolver direito.

PASTORAL DA JUVENTUDE
OU
JUVENTUDE EM PASTORAL?
Sempre achei a Pastoral da Juventude uma organização muito estranha. Em todas as paróquias em que ela é implantada funciona como um freio para que os jovens possam se expressar nas mais diversas esferas de suas vidas.
Não acho, em absoluto, que os jovens possam ficar jogados em seus guetos ou em suas tribos, dentro de uma paróquia, sem assistência, sem algum organismo que possa orientá-los a seguir corretamente os ensinamentos da Igreja Católica. Mas o que se vê, na maioria das vezes, é a criação da PJ concorrendo com os grupos de jovens já existentes na paróquia. Ou seja, a PJ torna-se “o” grupo de jovens da paróquia e, a partir daí, todos os demais grupos que possam já existir ou vir a ser formados estariam em desacordo com os documentos da PJ.
Quando um adulto decide participar das atividades da Igreja, são-lhe oferecidas diversas opções: Pastoral do Batismo, Pastoral da Família, Pastoral do Idoso, Pastoral da Saúde, Pastoral do Dízimo, Pastoral da Criança, Pastoral da Terra, Pastoral Vocacional, Pastoral Carcerária, dentre tantas outras pastorais, além dos serviços. E ao jovem, qual a opção que lhe é oferecida? Além da Pastoral da Juventude, eventualmente a Pastoral da Comunicação é entregue aos jovens e, às vezes, lhes é oferecida a oportunidade de pegar uma carona na Pastoral da Catequese.
Portanto, deixar o jovem que quer participar da igreja, confinado na Pastoral da Juventude, pode ser uma maneira muito especial de dispensá-lo dos serviços. Daí, o motivo do questionamento acima. Devemos ter uma Pastoral da Juventude, nos moldes que temos hoje, ou precisamos ter uma preocupação com a juventude em pastoral.
Faz toda a diferença este posicionamento com relação aos jovens. Uma coisa é você ter um organismo que engessa a participação dos jovens, dentro de regras rígidas, já que “a PJ não permite isso”, “a PJ não permite aquilo”, como é comum se ouvir das pessoas que a conduzem, especialmente os adultos que acompanham os jovens nesta Pastoral. Outra coisa muito diferente é você fomentar a formação dos mais variados grupos de jovens, com objetivos diferentes, com interesses diferentes e, ao final, tê-los todos praticando aquilo que mais gostam de fazer, não deixando de ser cristãos e, o mais importante, cristãos jovens,
Não precisa pesquisar muito para saber que os jovens são divididos em tribos: uns curtem rock, outros curtem funk, outros curtem tatuagem, outros curtem tatuagem e rock, outros tatuagem e funk; uns curtem teatro, outros cinema; uns curtem futebol, outros vôlei; uns curtem skate, outros patins; uns curtem barulho, outros sossego; uns gostam de ler, outros de jogar vídeo games. Ou seja, é tribo para todo o gosto. O que existe de errado em evangelizar jovens num grupo que curte skate, por exemplo? Será que os jovens que curtem tatuagem e rock não poderiam praticar também alguma ação social na comunidade?
Então, se invertêssemos a lógica da coisa e, ao invés de focar na Pastoral da Juventude, fosse focada a juventude em pastoral, seria mais fácil ter os jovens participando das coisas de nossa Igreja.

Essa juventude ficou um pouco perdida quando uma determinada freira que os acompanhava teve que abandonar os jovens por questões internas de sua congregação. De longe, eu percebia aquilo e ficava meio triste, mas sempre prometia para mim mesmo que um dia iria tentar me aproximar deles para tentar fazer alguma coisa. Nesta época, tinham deixado uma freira à frente dos jovens. Numa ocasião em que tentei uma aproximação, esta freira rechaçou a minha ideia, informando que a PJ não permitia que certas coisas fossem praticadas. Recolhi o trem de pouso e fiquei só à espreita. Mas me incomodava muito ver aquela juventude um pouco perdida. Passado o tempo, aqueles grupos de jovens, PJ inclusive, definharam e acabaram por encerrar as suas atividades. De repente, a nossa paróquia ficou sem nenhum grupo de jovens funcionando.

ALTA TAXA DE MORTALIDADE
DE GRUPOS DE JOVENS
Esse fenômeno de grupos de jovens, nas igrejas, que começam e logo terminam, é bastante comum. Muitos são os fatores que levam a isso. Se perguntarmos aos seus antigos participantes qual foi o motivo do grupo se acabar, com certeza cada um deles vai discorrer sobre assuntos diversos.
Normalmente, esses grupos nascem com um fôlego bastante grande, mas com o passar do tempo perdem o entusiasmo e morrem. Uma das explicações plausíveis para essa taxa de mortalidade dos grupos de jovens é a falta de objetivo. As reuniões, quando acontecem, se tornam um peso muito grande para os jovens e a participação em algo que exige sacrifício só é viável quando se tem objetivos claros. O espírito do jovem é desbravador, destemido. É como lidar com um animal selvagem, em busca de aventuras. Uns têm essas características mais acentuadas do que outros, mas, no fundo, todos, em alguma porção, são assim. Então, querer fazer um grupo de jovens perseverar na participação, sem lhes dar motivos para isso, é querer prender um animal selvagem, indômito. Deve, portanto, aquele que tem a responsabilidade de conduzir grupos assim, sempre se preocupar em dar um objetivo às atividades dos jovens.
Outras explicações existem, também, e não podem ser desprezadas. A mais forte que se pode observar, ao longo do tempo, é a questão do envelhecimento dos jovens. Não que eles deixem de ser jovens, assim, de repente. Aliás, algumas pessoas se recusam a ficarem velhas. Envelhecem, mas nunca ficam velhas. O problema, aqui, não é a idade, mas sim as atividades e responsabilidades que chegam com o passar dos anos. Quando o jovem é ainda adolescente, apesar de depender dos pais, na maioria das vezes, até para se deslocar, suas ocupações se resumem a estudar, quase sempre empurrados. Nesta fase da vida, quando eles decidem participar de alguma atividade na paróquia, são impulsionados pelos relacionamentos que vão encontrar nos grupos de jovens. Às vezes ocorrem até alguns namoros e isso serve como motivação para participar do grupo. Mas, nem sempre é o namoro que impulsiona a sua participação. Aliás, quase sempre são os amigos que os levam a frequentar as atividades dos grupos, exatamente aqueles amigos das tribos de que cada um participa. Algum amigo participa, acha legal, leva outro, que leva outro e, assim, de repente, a tribo toda está participando daquele grupo. Isso funciona também, é claro, para grupos que não são de Igreja.
Entretanto, os anos passam e esses jovens vão ganhando responsabilidades, os namoros passam a ser sérios, vem a ideia de casamento e por aí vai. Alguns adiam a ideia de aprofundar os relacionamentos, optando por estudar, acabam aprovados num vestibular e entram para a faculdade, às vezes em outras cidades. Nesse momento, o foco dos jovens passa a ser outro e, não muito raro, falta-lhes tempo para manterem a mesma dedicação de antes. Com isso, os grupos vão se esvaziando, naturalmente. Se não houver uma determinação para trazer mais jovens para os grupos, é óbvio que, ao perder elementos, sem reposição, chega então, a um definhamento que desemboca no fim das atividades deles. Quando o elemento que sai é uma liderança, as coisas se complicam ainda mais. O correto seria, então, além de ter meios para trazer mais jovens para o grupo, fazer, paralelamente, uma preparação constante de novas lideranças, capacitando as pessoas que se destacam, para ficarem à disposição do grupo para eventual substituição dos seus condutores.
Foi dito, antes, que os jovens são indômitos e não adianta querer prendê-los em uma atividade sem atração nenhuma, por falta de objetivos claros. Isto, às vezes, é alcançado por alguns dos líderes responsáveis pelos grupos. Mas, não muito raro, surge um problema no relacionamento dos padres com os jovens. Nem sempre os jovens veem suas atividades apoiadas e incentivadas pelos padres, sobretudo pelos párocos. É lógico que a tendência é o jovem buscar alternativas, nem sempre as melhores. Ao contrário, em alguns casos, acabam se enveredando por caminhos completamente na contramão daquilo a que se propõe a participação em algum grupo de jovens da paróquia, infelizmente, às vezes, com resultados desastrosos.
Por isso dever-se-ia repensar o jeito como a nossa querida Igreja Católica trata a questão dos jovens.
Chegou um momento que não tinha mais sentido deixar os jovens na paróquia sem uma referência que pudesse catalisar as suas forças. Era preciso criar algum horizonte para que eles atravessassem esta fase tão difícil de suas vidas, com o apoio de uma religiosidade firme, dentro dos ensinamentos oferecidos pela nossa Igreja Católica.

Com isso na cabeça, passei ao segundo passo da realização de qualquer sonho: o planejamento. Algumas premissas precisavam ser consideradas para que o trabalho tivesse êxito, tomando todos os cuidados para não se inventar nada que fosse parecido com um voo de galinha.

As premissas básicas adotadas para se começar um trabalho com os jovens foram as seguintes: a) sempre ter certeza do que se quer fazer para mostrar a eles que existe um norte para suas ações; b) o exemplo sempre deve prevalecer sobre qualquer outro meio que se tenha à disposição; c) apoiar incondicionalmente qualquer atividade dos jovens que estiver dentro do escopo escolhido para o trabalho; d) defender os jovens em qualquer instância da nossa Igreja, inclusive fora da paróquia.

Essas premissas foram definidas antes de começar os trabalhos de rearticulação do movimento jovem em nossa comunidade. Era necessário definir essas premissas para se investir num trabalho duradouro e que fosse referência na paróquia. Somente tornando-se referência é que se obteria o respeito dos demais setores da nossa Igreja.

A QUESTÃO DO EXEMPLO
O Novo Testamento é composto por vinte e sete livros, entre epístolas, evangelhos e uma revelação. Os evangelhos, a gente considera que retratam, na maioria das vezes, as palavras proferidas por Jesus em sua missão apostólica. Nenhum dos livros desse Testamento foi escrito por Jesus Cristo. Maomé, o grande profeta da religião muçulmana, deixou para o Islã o Alcorão, escrito de próprio punho como a revelação feita por Deus. Mas, nós os cristãos, não temos qualquer escrito que possamos atribuir a sua autoria ao próprio Jesus. Pelo menos, ainda não. Isso indica que Jesus era analfabeto? Não é razoável supor isso. Então, vem, inevitavelmente, o questionamento: porque Jesus não deixou nada escrito? A resposta passa pela questão do exemplo. Jesus preferiu viver aquilo que pregava, dando o exemplo de como Deus gostaria que vivêssemos a nossa religião. Se não fossem os evangelistas e os outros autores dos demais textos do Novo Testamento, não se saberia muito sobre Jesus.
Uma frase atribuída a Albert Schweitzer diz que “o exemplo não é uma das maneiras de ensinar: é a única”. Para quem trabalha com jovens, esta frase é lapidar. Somente com o exemplo é que se consegue comunicar aos jovens o que deve ser feito. Outra maneira não há que torne possível passar a mensagem correta à juventude.

Definidas, então, as premissas, partiu-se para planejar uma ação a fim de dar início à restauração do movimento jovem na nossa paróquia. Para essa etapa pensou-se em fazer uma ponte entre o velho e o novo. Isso seria possível propondo uma mudança de paradigmas, aproveitando o acervo de experiência acumulada pelas pessoas durante os anos passados. Isso foi resolvido com a convocação de uma reunião com todas as pessoas, especialmente os jovens que participaram, de alguma forma, de movimentos juvenis, recentemente, em nossa paróquia.

Fizemos o levantamento dos jovens que precisavam ser convidados para participar da reunião. Na verdade, um encontro que durou toda a tarde de um domingo qualquer do ano de dois mil e oito. Os convites foram feitos a cada um dos jovens, por meio de um contato direto, quando foi explicado detalhadamente o objetivo do encontro. Foram relacionados quarenta e oito jovens e a apenas um deles não foi feito o contato pessoalmente, já que ele não foi encontrado. Compareceram trinta e cinco jovens, sendo trinta e três que haviam sido convidados e dois que foram levados pelos namorados. Esses dois jovens que foram levados pelos namorados, na verdade um rapaz, levado pela namorada, e uma moça, levada pelo namorado, causaram algum transtorno, pois o encontro havia sido preparado para as pessoas que foram convidadas. Assim, faltou o material que estava personalizado para cada um dos participantes, como crachás e pastas. Além do fato de estas duas pessoas que compareceram sem terem sido convidadas não terem participado do movimento juvenil da nossa paróquia, pois pertenciam a outras regiões paroquiais.

PLANEJAR É PRECISO,
O ÊXITO NÃO É PRECISO
Emprestando e adaptando esse título de um poema de Fernando Pessoa, quero discorrer um pouco sobre planejamento nos serviços pastorais.
Os dois jovens que compareceram àquele primeiro encontro, sem serem convidados, nos ensinaram duas lições.
A primeira lição: Jamais se proponha a alguma coisa com os jovens sem ter a certeza de que eles entenderam perfeitamente o que se espera deles. Se for preciso faça manual, croqui, mapa ou qualquer outra coisa que seja capaz de esclarecer qualquer dúvida existente.
A segunda lição que esse fato nos ensinou e que é de grande serventia, hoje, em dia, é a seguinte: planeje o “plano B”. Foi daí que alcunhei a frase “só improvisa quem não planeja”. Então, quando a gente vê uma atividade qualquer, cheia de improvisações, a tendência nossa é elogiar a capacidade de a pessoa se desvencilhar de problemas surgidos de última hora. Mas, não é bem assim que as coisas deveriam ser encaradas, pois, por detrás de uma improvisação geralmente se esconde alguma falta de planejamento.
Alguém pode falar, por exemplo, “que culpa tem o sujeito se veio a chuva?” Culpa nenhuma, sem dúvida. É um fenômeno da natureza que ninguém tem controle sobre ele. Mas, as chuvas acontecem quando menos se espera e alguém preparar todas suas atividades ao ar-livre, sem se preocupar com o risco da chuva, é porque gosta de viver perigosamente. Então, às vezes fica-se o ano inteiro preparando uma atividade qualquer e deixa em aberto o risco de uma mudança de tempo vir a decidir se sua atividade vai ter êxito ou não. Mas como fazer para evitar isso? Simples: não faça ao ar-livre ou reserve um espaço para transferir imediatamente a sua atividade, caso necessário. Isso demanda mais recursos ou mais espaço, sem dúvida, mas não permite que fatores que não controlamos venham a ser determinantes na realização do evento.
Normalmente, os eventos paroquias são feitos de atividades as mais variadas, como brincadeiras, gincanas, palestras, trabalho em grupo etc. Vamos pegar um desses itens para exemplificar um fator sobre o qual não temos controle, mas que um “plano B” pode ser perfeitamente planejado: as palestras. De repente, uma pessoa que foi convidada para ministrar a palestra fica doente, de última hora, ou fica sem transporte ou sofre a ação de outro fator qualquer que a impeça de comparecer ao local do evento. O que fazer para suprir uma ausência dessas? Para tal eventualidade, o planejador deve colocar o cérebro para funcionar e deixar alternativas na agulha para serem disparadas, se necessário. Então, você não tem domínio sobre o fator que pode levar um palestrante a faltar, mas tem domínio sobre o que fazer caso isso venha a acontecer.
Logo, planejar é preciso, já o êxito do seu evento não é preciso. Isso quer dizer que existe precisão no planejamento, pois ele pode ser feito com todas as variáveis conhecidas. Entretanto, o êxito do seu evento não é preciso, pois é um resultado com um grau de imprecisão muito grande. Esse grau de imprecisão é determinado pelo desconhecido. Agora, a precisão do planejamento repousa sobre as variáveis conhecidas pelo organizador do evento, tanto aquelas que ele tem o poder de controlar, como aquelas que ele não tem o poder de controlar. Nem sempre o organizador do evento tem o poder de controlar a causa do fator degenerante do evento, mas tem como determinar o fator regenerante do evento.

Esse primeiro encontro foi um pouco tenso, pois reunimos, ali, jovens que participaram de grupos antagônicos e que não “se bicavam” muito. Percebia-se, até, certas rusgas pessoais entre alguns. As discussões em grupo foram tensas, mas profícuas. Foi preciso uma coordenação firme para canalizar toda aquela tensão para alguma perspectiva capaz de restaurar a caminhada dos jovens na nossa paróquia. Era necessário considerar o passado? Claro que sim. Mas, qual o olhar que deveria ser lançado sobre esse passado? Neste ponto, às vezes, a reunião ficava tensa, pois o olhar que muitos queriam deitar sobre o passado era no sentido de tentar identificar os culpados pelos problemas que geraram as crises responsáveis pela dissolução dos grupos. Acontece que esses problemas eram do passado e deveriam ficar lá. Era preciso identificar e tratar os problemas, não necessariamente quem conduziu o processo até eles. Entretanto, deveriam ser visitados para criar as perspectivas do futuro. Ao final do encontro tudo acabou bem e, dali, saíram duas peças fundamentais para a retomada da caminhada dos jovens na nossa paróquia. Saiu um documento elencando os problemas e as ações necessárias para enfrentá-los. Saiu, também, um grupo de jovens determinados a encarar esse desafio. De todos os presentes, apenas nove jovens decidiram por enfrentar o desafio. Confesso que a minha expectativa era maior com relação a isso. Mas, nove já era mais do que um. Marcamos, então, uma nova reunião para quinze dias depois e, dos nove jovens que se dispuseram, apenas oito compareceram. A caminhada começara.

A SOBERBA NOSSA DE CADA DIA
Quando a gente faz um trabalho na Igreja, às vezes os obstáculos aparecem de onde menos se espera. Disse, antes, que foram selecionados quarenta e oito jovens para serem convidados para o primeiro encontro. O critério para fazer esta seleção era o de que o jovem deveria ter participado de qualquer movimento juvenil da Paróquia. Os grupos de jovens que existiam, apesar de não estarem funcionando, ainda não haviam sido dissolvidos formalmente. Aliás, acho que até hoje não houve a dissolução formal daqueles grupos. Um dos coordenadores de um desses grupos não foi convidado para o primeiro encontro por dois motivos que achamos razoáveis à época: Ele já era casado, em tal ocasião, e o seu casamento estava muito conturbado. Como a gente acompanhava a situação, meio de perto, sabíamos que o problema no casamento era causado por ele. Isso, na nossa opinião, poderia mandar uma mensagem errada para os jovens. Como não havíamos selecionado nenhum casado para participar daquele encontro, decidimos, também por esse motivo, não chamar esta pessoa, ainda mais com o casamento nas condições em que estava. Outra questão envolvendo o mesmo personagem foi a informação, bastante consistente, de que essa pessoa fora a motivação para que os dois grupos anteriores tivessem encerrado as suas atividades. Nosso receio era de o encontro não terminar, tamanha era a animosidade entre alguns elementos. Estes podem não ter sido bons motivos para não convidá-lo, mas respeitavam os critérios. Quando essa pessoa soube que houvera uma reunião dos jovens, sem ela ser convidada a participar, disse textualmente “ah, é? Convocaram uma reunião sem a minha presença? Então o ... não vai participar e vou mostrar quem é que tem força”. Os três pontinhos era o nome do grupo em questão. Quem disse esta pérola com certeza imaginava ser “dono” do grupo a que se referia, e grupo que tem “dono” não chega mesmo muito longe.
Disse, anteriormente, também, que não foi possível convidar um dos jovens pessoalmente. Todos os demais foram convidados e no convite faziam-se todas as recomendações necessárias, além de deixar claro o objetivo do encontro. Uma das recomendações expressas que se fazia no convite era com relação ao horário. O encontro estava marcado para iniciar às três da tarde e ficou acertado com cada um dos convidados que exatamente às três da tarde seria fechada a porta e, depois disso, ninguém mais poderia entrar.
Aquele jovem que não foi convidado pessoalmente é filho de uma pessoa que participava ativamente das coisas da paróquia, inclusive na administração dos negócios paroquiais. Como não foi possível convidá-lo pessoalmente, fizemos o convite a ele por meio de sua mãe, com as mesmas recomendações feitas a todos os outros.
A questão do horário de início foi considerada tão séria que o pedido feito a todos era que se não fosse possível chegar até as três da tarde, seria melhor o jovem faltar ao encontro.
Chegado o momento de começar o encontro, três da tarde de um domingo qualquer do primeiro semestre de dois mil e oito, as portas foram fechadas e ninguém mais entrou. Ocorre que, exatamente aquele jovem que fora convidado por meio da sua mãe, chegou com uns vinte minutos de atraso e alguém da organização foi conversar com ele informando-lhe que não seria permitida a sua entrada, pois o encontro já havia começado. O jovem reclamou bastante e foi embora.
Na semana seguinte recebemos uma chamada da mãe do jovem que chegou atrasado, nos cobrando explicação sobre porque não permitimos a entrada do seu filho no encontro. Disse que aquilo era um absurdo, por proibir o seu filho de ter acesso a um ambiente da paróquia que deveria ser franqueado a todos. Falou mais uma infinidade de coisas, mas, em nenhum momento, se lembrou de que a regra era não chegar atrasado, como o seu filho chegara. Como desdobramento, o pároco nos chamou, a mim e a minha esposa, para falar sobre o assunto, cobrando, ele também, uma explicação.
Esses dois casos nos mostraram que de onde a gente menos espera reações contrárias é que elas aparecem. Mas não nos intimidamos, ao contrário, esses episódios nos mostraram que se fazia necessária uma atitude imediata para mudar muitas coisas erradas que estavam acontecendo.
Esse começo de caminhada foi centrado sobre um item do documento que indicava ser necessário o planejamento de um evento que aglutinasse todos os jovens e, a partir daí, iniciar um trabalho para trazê-los de volta para a Igreja. O evento escolhido para dar o pontapé inicial nos trabalhos foi um encontro de jovens, aos moldes de tantos que existem por esse país afora, mas com a cara da nossa região ou, ainda, com a cara da nossa paróquia.

Decidimos por duas frentes de ação nesta fase dos trabalhos. A primeira, consistia em arregimentar mais jovens para a missão, que ficou a cargo daqueles oito jovens do grupo resultante do encontro inicial. A segunda referia-se à montagem do encontro, do que fiquei encarregado.

Para a primeira frente, o método escolhido foi o de fazer reuniões com os jovens em encontros realizados em todas as comunidades que compõem a nossa paróquia. Os encontros aconteciam, normalmente, nos domingos, à tarde. Essas reuniões foram realizadas de forma bastante precária, com parco planejamento. Aqueles oito jovens não conseguiam conduzir os trabalhos com a eficiência que se esperava deles. A improvisação corria à solta e os resultados eram pífios. Em algumas comunidades, não se arregimentou ninguém. Ao fim desse trabalho, conseguiu-se apenas mais cinco jovens para engrossar as fileiras daqueles que iriam enfrentar a empreitada.

Seria necessário um time de mais ou menos cinquenta jovens para realizar o primeiro encontro da maneira como fora idealizado. Entretanto, tínhamos montado um time com apenas treze jovens. De certa forma, foi uma pequena derrota para as nossas pretensões.

Fazendo, depois, uma análise dos motivos que levaram a este fracasso inicial, percebi que havia cometido um erro bastante comum quando se delega funções às pessoas: enxergar a espuma, ao invés de enxergar o chope. A função de coordenar essa frente de ação teria que ser confiada a um jovem, pois a ideia sempre foi que o movimento que se estava criando devesse ser conduzido pelos jovens. Ao delegar a coordenação, então, escolhi alguém que tinha uma aceitação bem razoável pelos oito jovens que iniciaram os trabalhos. Com o passar do tempo, percebi que era apenas espuma. Aquilo que parecia ser carisma, era apenas uma maneira alegre e irresponsável de tocar a vida. Essa pessoa não conseguia conquistar ninguém para as suas fileiras. Em outra época, mais para a frente, tive outros dissabores com este jovem escolhido, o que só confirmou esta primeira avaliação que faço daquele primeiro fracasso.

No meio desta caminhada, aqueles jovens que participavam do projeto foram chamados para se reunir com o objetivo de “batizar” o encontro, ou seja, dar-lhe um nome. Eles fizeram uma reunião e decidiram não só o nome, mas apresentaram uma solução de comunicação completa. Trouxeram o nome, a logomarca e um slogan. Assim o encontro foi batizado de INOVAR, sua logomarca é a palavra INOVAR escrita em vermelho, sendo que o “i” é representado por uma vela estilizada cuja chama é amarela. O slogan, escrito em azul é “uma nova chama se acende”. As letras da logomarca são minúsculas e as do slogan são maiúsculas, todas grafadas com tipos limpos, sem serifas ou enfeites. Essa solução gráfica foi dada, soube depois, pelo jovem que havia ficado responsável pela equipe de arregimentação.

O FATOR PERSISTÊNCIA
Ficaram definidas duas coisas sobre a idade, uma para fazer parte da equipe que iria montar e executar o INOVAR e outra para participar do encontro como “encontrista”. A equipe deveria ser composta por jovens com o mínimo de 16 anos e o encontro seria disponibilizado para jovens com idade entre 14 e 24 anos.
Por este critério de idade, apenas jovens com mais de 16 anos poderiam fazer parte da equipe que estava montando o encontro.
Um jovem não havia participado daquela reunião inicial, exatamente por ser menor de dezesseis anos, pois somente em agosto completaria esta idade, mas esse jovem decidiu que queria participar da equipe, embora não tivesse completado a idade determinada. Sua irmã participava, o namorado da sua irmã também participava e ele não via motivo para não participar. Como a sua irmã e o namorado dela estavam no comando dos preparativos, eles tentaram demovê-lo da ideia de participar da equipe, mas não conseguiram. Pediram, então, a minha interferência, tentei também, mas não consegui convencê-lo. Aquele jovem estava irredutível no seu propósito de fazer parte daquela equipe.
Diante desse quadro, respeitando o interesse escancarado do garoto, não vimos outra saída senão o de permitir àquele menino participar da equipe que estava sendo montada para implantar o Projeto INOVAR.
Hoje, colocando em perspectiva, é possível notar as maravilhas que Deus sempre faz por nós. Nunca vi um exemplo tão acabado do ditado: “Deus escreve certo por linhas tortas”.
Desde o primeiro, já foram mais de setecentos e quarenta jovens que fizeram o INOVAR, nenhum deles entendeu tão bem o espírito desse encontro como aquele menino que insistiu tanto para participar da equipe. Lógico que nem eu, nem ninguém sozinho poderia ser responsável pelo êxito do INOVAR, mas aquele menino foi, por muito tempo, meio que a “alma” do encontro. Enquanto ele esteve por aqui, esteve sempre à frente da equipe de animação, e a animação sob a batuta dele tinha um toque diferente, pois ele entendeu muito bem a função dessa equipe. Mesmo quando esteve na coordenação geral do encontro não negligenciou a função animação. Ao longo da montagem da equipe para o primeiro encontro foi agregada uma menina que cantava numa das comunidades da nossa Paróquia, que viria a se tornar namorada daquele menino teimoso. Daí para a frente, então, as coisas fluíram como um rio que corre para o mar.
Aquele menino teimoso, nos deixou, mudou-se para um estado do Sudeste e, já morando lá, voltou para participar conosco do encontro, por uma ou duas vezes. Depois, decidiu por não participar, alegando que não havia sido escalado para a equipe de animação. É lógico que o motivo não é esse, pois como ele bem sabe, as pessoas trabalham no INOVAR e pronto, seja na animação, na cozinha, na limpeza, na capela ou em qualquer outra função.
Como responsável pela implantação do projeto INOVAR na nossa paróquia, sou grato a Deus por ter colocado aquele menino teimoso nas nossas vidas e, dos filhos que fui amealhando ao longo desses anos, ele é aquele que tem um lugarzinho muito especial em meu coração.
Aquele menino teimoso faz muita falta aos encontros, mas o INOVAR não pode parar.

O projeto andou, já batizado, e, ao invés de executá-lo predominantemente com os jovens, foi necessário envolver mais adultos do que se imaginou inicialmente, já que o número de jovens arregimentado ficou aquém do esperado. A ideia inicial era envolver adultos apenas em funções onde qualquer falha pudesse comprometer o andamento do encontro ou colocasse em risco a saúde dos participantes. Assim, inicialmente se pensou em utilizar adultos apenas no comando da cozinha e na definição da infraestrutura necessária. Mas, devido ao número reduzido de jovens arregimentados, os adultos foram escalados também para trabalhar na limpeza, nos dormitórios, na capela, no refeitório, além de ocuparem todas as funções na cozinha, e não apenas o comando.

Outra dificuldade foi para escalar os palestrantes. O encontro foi planejado para funcionar sobre dois pilares básicos: palestras, algumas com mais de trinta minutos, outras, a maioria, com no máximo vinte minutos, e trabalhos em grupo. Das vinte e cinco palestras, apenas cinco delas seriam ministradas por adultos. Todas as outras foram planejadas para serem ministradas por jovens. Mas como fazer para conseguir o número de jovens o suficiente para ministrar as palestras, se tínhamos apenas treze jovens dispostos a trabalhar neste encontro?

A solução foi buscar jovens fora desse grupo que se propôs a trabalhar no INOVAR. Pessoalmente, selecionei jovens que conhecia na paróquia e atribui a eles os mais diversos temas que faziam parte do rol de palestras. Conversei individualmente com cada um e, como nem todos aceitaram, ao final faltou um jovem para ministrar uma das palestras. Esperei que as inscrições fossem feitas, analisei a lista dos inscritos e convidei uma jovem que faria o encontro para ministrar uma palestra no domingo, à tarde. Foi uma manobra que deu certo. Felizmente nos encontros seguintes não tivemos mais problemas, pois, a partir do segundo encontro sempre tivemos um número maior de jovens querendo ministrar palestras do que o número de palestras programadas.

Como já foi dito, as palestras eram um dos pilares mais importantes do encontro. Então, duas coisas, com relação a isso, requeriam cuidado extremo para que não falhasse: a duração das exposições, que não poderia ser menor ou maior do que o tempo estipulado, e a eventual falta de um palestrante. Com relação ao tempo de duração, tanto ultrapassá-lo, quanto não atingi-lo, poderia prejudicar o evento. De repente, o palestrante poderia usar menos tempo do que aquele reservado para a palestra. Isso é tão problemático quanto ultrapassá-lo, pois quando tem muita gente trabalhando em um evento desses, as coisas devem funcionar como uma máquina, cujas engrenagens principais são exatamente o tempo que dura cada uma das atividades. Se uma atividade termina antes do combinado, a equipe pode não estar preparada para a próxima. Da mesma forma, se a atividade ultrapassar o tempo, dali para a frente o atraso refletirá em todas as outras.

Fazem parte, então, da estrutura do encontro, três funções que cuidam para evitar que tanto o tempo das palestras quanto a falta de palestrante prejudiquem o andamento do evento. Uma função foi criada para evitar a ausência de palestrante e duas funções foram criadas para o tempo ser utilizado em sua totalidade. Uma das funções é tratada no encontro como o plano “B” das palestras.

PLANO “B”, PLANEJAR OU IMPROVISAR.
Fazer um plano para nos socorrer em alguma emergência é uma forma de não deixar o imponderável decidir sobre o êxito de seu evento. Isso já foi dito antes. Agora chegou o momento de mostrar, na prática, como isso é possível.
Quando foi pensado o INOVAR, pelo seu ritmo, algumas atividades não poderiam falhar, pois se essas falhassem todas as outras coisas seriam afetadas. Um encontro com mais de duas dezenas de palestras para serem ministradas em mais ou menos cinquenta e uma horas, não pode deixar margem de risco para uma das palestras não acontecer. Criou-se, então, uma pessoa que fica encarregada de fazer os palestrantes estarem presentes nas palestras. Essa pessoa tem sob a sua responsabilidade, inclusive, determinar as substituições que se fizerem necessárias durante o encontro. Para isso, obedece uma rotina extenuante de contato com os palestrantes. Entretanto, o contato decisivo acontece duas horas antes da palestra. Neste contato se consegue uma melhor perspectiva quanto ao palestrante vir a comparecer ou não. Na maioria das vezes, o escalado comparece, mas ocorrem casos em que se registra o contrário. A pessoa encarregada vai analisar a situação: se precisar ir buscar, é essa pessoa que determina quem vai fazer isso e combina com o palestrante onde deve apanhá-lo. Caso o problema não seja transporte, o responsável irá imediatamente providenciar outra pessoa para preparar a palestra a ser ministrada. Essa pessoa deve ficar preparada e de sobreaviso. Se a pessoa escalada não comparecer, de fato, a pessoa de sobreaviso entrará em ação e ministrará a palestra. Um fator que facilita isso é o fato de as palestras serem curtas. Vinte e uma delas não ultrapassam a vinte minutos cada e a mais longa é de trinta e cinco minutos. Portanto, o plano “B”, para a falta do palestrante, está perfeitamente estruturado.
Outra questão, ainda relacionada com as palestras, é a duração das mesmas. Como se disse, a palestra não pode ultrapassar o tempo, tampouco deve ser curta a ponto de não utilizar todo o tempo disponível. Nos dois casos o encontro é prejudicado, pois existem, fora da sala, várias equipes trabalhando com o mesmo cronograma. Se a palestra terminar antes, o ambiente externo pode não estar pronto, o próximo palestrante não estará a postos para ser anunciado, desestruturando toda a engrenagem. Palestras que ultrapassem o tempo prejudicam as atividades seguintes.
Para não ocorrer atraso ou antecipação de atividade, decidiu-se por duas medidas. Uma pessoa fica no fundo da sala com os cartazes indicando, a cada cinco minutos, o tempo que falta para a pessoa terminar a palestra. Isto fará o palestrante cumprir o seu tempo ou encerrar, no ponto em que está, quando receber o aviso de “seu tempo acabou”. Por outro lado, decidiu-se por preparar, a cada encontro, uma pessoa que fica encarregada de aplicar dinâmicas. Pede-se a essa pessoa que deixe sempre “na agulha” dinâmicas com tamanhos diversos. Assim, quando alguém não conseguir explanar o assunto utilizando o tempo total, se o tempo que sobra é de até cinco minutos, a turma da animação entra e faz alguma música. Entretanto, se a sobra for maior do que cinco minutos a pessoa da dinâmica entra com alguma atividade do tamanho do tempo restante.
Desta forma o Plano “B” fica estruturado e, quando for necessário, ninguém perceberá que houve alguma falha. Outras coisas merecem também planejamento para o Plano “B”. Já foi dito, acima, sobre a questão da chuva, quando se prepara alguma atividade ao ar-livre. Se você não previr uma alternativa, deixará as condições climáticas decidirem sobre o êxito da sua atividade.
Resumindo, então, só improvisa quem não planeja.



MONTANDO O INOVAR



Definidas as premissas básicas, por onde se pudesse transitar, partimos para a realização do grande projeto: criar um encontro capaz de atender às necessidades dos nossos jovens, com a cara da juventude da nossa região. Enquanto, nos finais de semana, aquele grupo de jovens fazia reuniões nas comunidades, tentando conseguir “mão-de-obra” para a empreitada, iniciei os estudos para montar o nosso encontro. Estudei materiais de diversos encontros existentes no Brasil, dentre eles o TLC, o EMAUS, o EJC, etc. Cada um e todos eles tinham as suas características próprias e eram direcionados para o jovem urbano, que precisa, em algum momento da vida, se desligar do mundo em que vive e se dedicar a meditar sobre algumas coisas, o que, no seu dia-a-dia, não aparecia oportunidade para fazê-lo. Com relação ao conteúdo, cada um possui um foco diferente. Uns dão mais ênfase nos aspectos psicológicos, outros nos aspectos familiares, outros no aspecto religioso. Basicamente, eram essas as orientações dos encontros existentes, analisados à época.

Para montar o nosso encontro, foi deixado de lado o aspecto psicológico e focado no aspecto familiar e religioso, sendo, a questão religiosa, bem presente nos temas das palestras a serem ministradas, e a questão familiar, mais destacada nos outros elementos do encontro.

As atividades deveriam ser muito dinâmicas, para atingir os jovens. Então, a quantidade de palestras não era um problema, em si. Por outro lado, a duração de cada palestra fez toda a diferença.  Fazer com que um jovem fique uma hora ouvindo alguém falar sobre um assunto que ele não pediu para ouvir, é querer colocá-lo para dormir.

Visto isso, partiu-se então, para um número muito grande de temas a serem explorados, com durações mínimas, mas que todos pudessem ter como pano de fundo mostrar aos jovens que é possível ser uma pessoa religiosa sem deixar de ser jovem. Permeando esses temas, muitas atividades executadas por cada uma das equipes que, ao final, se tornava uma apresentação, um desenho ou mesmo um texto escrito por um redator da equipe e que, independente do formato, teria que ser apresentado a todos os participantes do encontro.

Essa formulação gerou uma dinâmica que fez com que os jovens que participavam do encontro nem percebessem que estavam se expondo a tantos temas importantes para as suas vidas e para os seus relacionamentos com a religião e com a família.

Assim, foi desenvolvido um encontro que recebeu o nome de INOVAR e, por motivos internos do serviço, não se pode dar muitos detalhes do conteúdo e de seus elementos, mas que tem trazido muitos jovens de volta à Igreja.

É um encontro que se realiza, normalmente, num final de semana, iniciando na sexta-feira, às seis da tarde, e terminando no domingo, às nove da noite. São cinquenta e uma horas de encontro, onde os jovens participantes acabam dormindo pouco, pois se deitam tarde e acordam muito cedo, têm atividades exaustivas durante os dias todos, chegam ao final, no domingo, à noite, extenuados, mas, se perguntarem a eles, responderão que gostariam de ficar por mais uma semana. O encerramento é com uma missa, para a qual todos os familiares são convidados a participar. Quando o INOVAR foi pensado, a missa deveria ser realizada pelo mesmo padre que estaria acompanhando o encontro desde a primeira hora. Com isso, se obteria uma perfeita integração entre os “encontristas” e o celebrante, exatamente naquele momento em que seria a coroação do evento.

Mas, para a missa atender aos seus objetivos, primeiro, seria necessário que houvesse um padre à disposição do encontro. Infelizmente, sabemos que não se tem tantos padres, assim, preocupados com as questões da juventude. Para se conseguir um padre que venha dar uma palavra aos jovens, mesmo que apenas no início do encontro, já é uma dificuldade muito grande, imagine, então, conseguir um para ficar no encontro durante os três dias. Depois, seria necessário encontrar uma avis rara que fosse capaz de se colocar sob o comando dos organizadores do encontro, o que, convenhamos, seria quase impossível nos tempos atuais.

A MISSA DE ENCERRAMENTO
No plano original, a missa final encerrava formalmente o encontro. Foram colocados vários elementos do INOVAR dentro da missa para que os familiares pudessem, de alguma forma, participar daquela experiência dos seus filhos. Então, foi imaginada uma missa onde os protagonistas seriam os “encontristas” e os seus familiares. A ideia era simples: Depois de quase três dias que os jovens ficaram distantes das suas famílias, eles estariam ávidos por dar um abraço em seus pais, em seus irmãos e nos demais familiares, com os quais eles têm o seu mais sólido relacionamento e que, na maioria dos casos, estariam presentes na missa final. A missa, como sabemos, é o momento que sintetiza toda a fé católica. É onde acontece a comunhão com o Cristo vivo através da eucaristia. Seria sublime, então, que um encontro entre os jovens que fizeram o INOVAR e seus familiares acontecesse exatamente na celebração mais importante de todo o evento. No popular, dir-se-ia que a missa “seria a cereja do bolo”.
Por tal perspectiva, a missa final foi pensada para ser uma celebração dinâmica que, embora demorada, em função de se ter dentro dela vários elementos do encontro, mesmo assim, o dinamismo dos atos faria desta celebração um momento inesquecível e, tanto familiares quanto jovens “encontristas” sairiam dali com vontade de participar de outras missas.
Entretanto, ao longo da realização dos encontros, foi-se percebendo que aquilo que foi criado para coroar o evento e deixar aquele gostinho de “quero mais”, também nos familiares, acabava funcionando como um anticlímax, exatamente na hora da despedida. As missas se tornaram uma atividade totalmente desconectada do INOVAR, muito longas, em alguns momentos, e desfocadas, naqueles momentos em que o encontro requeria foco total. Descobriu-se, a duras penas, que as vicissitudes humanas suplantam o bem-estar da coletividade e isso fazia com que a missa fosse desnecessariamente longa, sem atingir o seu objetivo.
Diante disso, o Colégio de Caciques decidiu por introduzir algumas alterações na estrutura do evento e a mais importante foi retirar a missa final do programa do encontro. Ou seja, a missa deixou de conter qualquer elemento do INOVAR e passou a ser uma celebração de ação de graças pela realização do encontro. Se o INOVAR for realizado em alguma paróquia onde o padre encarregado da missa final entenda o encontro e tenha o desprendimento de se colocar a serviço dele, talvez, ali, se possa tentar trazer novamente a missa para dentro do INOVAR.
Na nossa paróquia, infelizmente, a experiência não foi exitosa e foi necessário introduzir esta alteração, fazendo com que o encontro, na verdade, se encerrasse na última atividade anterior à missa. A partir daí, se passa o bastão para o padre e este determina o ritmo da missa, faz a homilia do tamanho que quiser e pula a parte que quiser da missa. Ou seja, a celebração, pensada para ser especial, passou a ser uma missa comum, se é que podemos chamar uma missa de comum. Mas, o fato é que a missa que encerra o encontro é igual a tantas outras que os presentes se acostumaram a participar em suas vidas.

Para acontecer essas cinquenta e uma horas, é necessário que haja muita preparação. Dir-se-ia que o próximo INOVAR começa quando termina o anterior. Isso mesmo. Leva-se um ano para preparar um INOVAR, pois envolve muita gente na sua estruturação.

Hoje, tem-se por costume fazer o INOVAR no segundo semestre do ano, normalmente no início de agosto. O início da preparação se dá formalmente com um encontro de “inovaristas”, que acontece, normalmente, no mês de maio. É neste encontro que se define as equipes de trabalho para o próximo INOVAR; quem vai fazer as palestras, quem vai coordenar cada uma das equipes e quem vai coordenar o encontro. A partir desse momento, a movimentação dos jovens é constante, até a desmontagem do INOVAR.




A IMPLEMENTAÇÃO



Projeto concluído, chegou-se a um documento, onde o encontro estava milimetricamente planejado, com um nível de precisão de três minutos. Isso porque a menor porção de tempo que constava no cronograma eram algumas atividades com essa duração. Era necessário esse nível de planejamento para que todas as equipes e funções envolvidas no desenrolar do encontro tivessem em seu poder um cronograma em que pudessem confiar. Assim, o pessoal da cozinha, por exemplo, pode programar seus serviços para o horário que está naquele documento, pois tinha a certeza de que, no momento programado, os jovens estariam a postos para tomar as refeições ou o lanche. O detalhamento das atividades chegou ao ponto de indicar ao pessoal da animação o canto que devia ser executado naqueles momentos em que a música fazia parte da atividade.

O documento preparado, depois de todo o estudo feito, descrevia toda a infraestrutura a ser utilizada durante o encontro. Assim, foi possível ter a noção exata de todo o material necessário para ter um encontro sem sobressaltos e, em tese, deixar todas as rotinas prontas para serem executadas sem dificuldades pelas pessoas que sucedessem aquela equipe inicial. Na prática, isto não funcionou muito bem, pois as coisas ficaram meio nas costas de poucas pessoas, muitas delas sem saber direito onde se queria chegar, outras querendo chegar em lugar diferente daquele que seria o desejado pelo grupo.

Como se viu, aí, para cima, a falta de recursos humanos foi uma dificuldade constante para a montagem do primeiro INOVAR, pois a lógica dita, sempre, que o ideal é lançar mão da experiência, utilizando pessoas que já tenham feito um encontro, anteriormente, portanto, prontas para preparar e realizar o seguinte. Quando se está iniciando um encontro como esses, é normal que seja convidada uma equipe do mesmo movimento de outra paróquia, para funcionar como padrinhos na implantação. Entretanto, o INOVAR não existia em lugar nenhum. Foi uma invenção nossa e, por isso, não existia em paróquia nenhuma quem tivesse a experiência necessária, que pudesse vir até a nossa para nos ensinar a fazer o encontro, para, dali em diante, a gente caminhar sozinhos. Então, o que nos restou foi fazer da maneira que fizemos, ou seja, montar o INOVAR com pessoas que nunca haviam realizado este tipo de evento. Aliás, este é um dos motivos pelos quais as pessoas que estavam nos ajudando se revelaram um tanto quanto perdidas, pois o projeto, e onde queríamos chegar, estava praticamente na minha cabeça e na cabeça da minha esposa. Aliás, até minha esposa dizia que tudo estava somente na minha cabeça. Isso fez com que o empenho do pessoal, que começou comigo, se tornasse mais gratificante ainda, pois, mesmo sem uma plena compreensão do que se tratava, eles abraçaram a ideia e enfrentaram o desafio de montar o INOVAR que, diga-se de passagem, sem eles, não teria avançado sequer um passo.

Mas, o nosso problema não era apenas a falta de recursos humanos. Tinha, também, a falta de infraestrutura e, mais premente ainda, a falta de recursos financeiros. A falta de recursos humanos poderia ser resolvida pelo treinamento e pelo esforço hercúleo que cada membro da equipe faria para se chegar a um bom resultado para todos. Quanto à infraestrutura, era uma questão de adaptar-se às instalações que tínhamos. Até porque nunca será possível encontrar uma instalação que se adeque perfeitamente às necessidades. Entretanto, conseguir recursos financeiros era crucial para o sucesso do encontro.

Para resolver, então, a falta de recursos humanos, fizemos aquelas reuniões, das quais falamos anteriormente, e conseguimos um número muito pequeno de jovens. Mais precisamente: treze. Diante desse quadro, fomos atrás de mais gente para trabalhar durante o evento. Algumas equipes deveriam ser compostas mesmo por adultos e, para essas, fomos atrás dos adultos que conhecíamos. Convidamos pessoas de outras pastorais que, junto com algumas pessoas da Pastoral Familiar, conseguiram dar conta das funções que eram dedicadas aos adultos. Resolvido os adultos, era necessário completar as equipes compostas apenas por jovens. Nesse momento, foi muito importante o conhecimento que as Freiras da Sagrada Família, uma congregação que atuou durante mais de vinte anos em nossa região e estava na nossa paróquia desde a sua fundação. Essas freiras realizavam vários trabalhos nas diversas comunidades da nossa paróquia e foram determinantes na indicação dos jovens que podiam completar as equipes. Foi assim que inserimos jovens de duas outras comunidades da nossa paróquia, que foram essenciais para a realização do primeiro encontro. Infelizmente, essas freiras não se encontram mais entre nós, o que foi uma grande perda, mas, enquanto estiveram conosco, foram fundamentais no trabalho com os jovens oriundos do INOVAR. Mais à frente, abordarei especificamente o afastamento das freiras.

PEQUENINA, MIRRADINHA
E GRANDE PESSOA
A Capela do I INOVAR ficou a cargo da esposa de um casal abençoado, composto por um cabeludo e uma moçoila que mais parecia uma adolescente do que uma mãe de família. Essa moçoila, que coordenava a Capela, trouxe para a equipe uma menina de mais ou menos uns treze anos, vinda de uma comunidade da Paróquia. Eu não a conhecia, mas se era a coordenadora que a estava trazendo, aceitei aquela criança participando da equipe, apesar de existir a regra de não poder trabalhar no encontro ninguém menor de dezesseis anos. Mas aquela criança continuou participando da Capela.
Nesta fase da preparação, eu fazia questão de acompanhar bem de perto todas as equipes, já que, como diziam todos, à época, “tudo estava na minha cabeça”. Realmente, como tinha sido eu quem preparou todo o material, tinha em mente como deveria ser e se comportar cada uma das equipes.
Numa das reuniões de preparação da Capela, comentei com a coordenadora daquela equipe que estava com dificuldade para encontrar uma pessoa que ministrasse a palestra sobre a família.
Esta palestra é programada para acontecer no domingo, pela manhã, num momento muito importante, quando todos os jovens, reclusos, a um longo tempo, na estrutura do evento, já estariam com muita saudade de todos que deixaram lá fora. Além disso, ela precedia uma atividade em que havia um link entre o “encontrista” e a sua família, que ficou lá fora torcendo por ele e, praticamente, fazendo o encontro com ele. Então, a palestra sobre a família deveria ser marcante para que o “encontrista” fizesse a conexão entre a sua família e tudo o que estaria acontecendo com ele, ali. Tudo isso em vinte minutos de conversa.
Quando, então, falei, naquela reunião, sobre a dificuldade para conseguir um jovem para dar essa palestra, a coordenadora da equipe apontou para aquela menina de treze anos e praticamente escalou a criança.
Assustado, não contive o espanto e a única coisa sensata para descartar tal descalabro foi invocar a pouca idade. “Mas ela é muito nova”, disse, de supetão. Primeira decepção minha: “Ela tem dezoito anos” me disse a coordenadora da equipe. Na verdade, soube um pouco mais tarde, ela estava fazendo dezoito anos um mês antes do I INOVAR. Surpreendido, então, não tive outro jeito senão o de concordar com a indicação. Meio incrédulo perguntei: “Mas ela vai dar conta do recado?”. “Claro”, responderam todos que estavam presentes na reunião.
Lógico que iria aceitar a sugestão. Não poderia ser diferente, mesmo que aquela criança tivesse os treze anos que imaginei, pois, a coordenadora da Capela e seu marido, com certeza, haveriam de saber do que estavam falando.
Para resumir a ópera, essa criança de treze anos, dezoito anos, trinta anos, hoje a idade não importa mais, fez a palestra sobre a família no primeiro INOVAR e nos quatro seguintes. Só parou mesmo de ministrar tal palestra quando nos deixou, ao mudar para outro Estado.
À gente não resta mais nada além de sentir saudade daquela pequenina, mirradinha e grande pessoa que, hoje já não é tão pequenina, nem tão mirradinha, mas continua sendo uma grande pessoa.
Com relação à infraestrutura, depois de se ter bem mapeado tudo o que seria necessário para realizar o encontro, a próxima etapa, então, seria definir o espaço físico capaz de comportar o evento. Da forma como o INOVAR foi planejado, assim como o ECC e outros encontros do gênero, existia uma grande dificuldade que seria encontrar um espaço, já montado, que atendesse, minimamente, as suas características e a sua dinâmica. São encontros recheados de segredos, equipes escondidas, surpresas etc. Para tudo isso, se requer locais apropriados para as equipes trabalharem, pois, nos bastidores, trabalha um batalhão de pessoas que só se apresentam ao final do encontro. Essas pessoas não podem aparecer e, portanto, o local onde elas trabalham precisa ser isolado de onde transitam os “encontristas”, ou precisa ser protegido, de alguma forma, para manter essas pessoas escondidas.

De partida, fomos visitar todos os locais que poderiam ser utilizados para realizar o encontro. Essas visitas tinham como objetivo levantar as instalações, a localização, a infraestrutura e, o mais importante, o custo.

A nossa paróquia possuía, à época, um local para retiros que, até hoje, mantém as mesmas características, chamado de Casa Betânia, que foi construído com a ajuda dos paroquianos e com uma intervenção muito forte do pároco que comandava a paróquia na época. A Casa Betânia foi pensada para atender as necessidades das diversas pastorais, que eram muito ativas naquela época, quando se viam retiros com uma frequência bastante grande. Lembro, inclusive, que a Casa Betânia era disputadíssima e as datas, quando se fazia o calendário anual, eram requeridas, não muito raro, por mais de uma pastoral ou de um serviço. Saudade dessa época. Mas, a Casa Betânia foi pensada para retiros e não para encontros.

ENCONTRO OU RETIRO
Quanto se discute esses eventos que as paróquias realizam, de vez em quando, é muito comum se fazer confusão entre o termo encontro e retiro. São coisas diferentes. Para dar nome ao evento pode-se usar qualquer um dos termos, mas, para qualificar o evento, deve-se usar o termo que identifique corretamente a proposta.
Retiro é o nome que se dá aos eventos cujos participantes são exclusivamente pessoas que já estão na caminhada religiosa e, normalmente, acontecem para aprofundar sobre determinado tema que já faz parte do seu cotidiano. Assim, é muito comum se dizer Retiro dos Catequistas, Retiro da Pastoral Familiar etc. No retiro, os assuntos são poucos, a postura é mais contemplativa e as abordagens são feitas de forma a deixar coisas para o “retirista” refletir em casa.
O encontro, por sua vez, possui outra dinâmica. Ele é voltado para pessoas que nem sempre fazem parte da caminhada religiosa e, quando fazem, normalmente o encontro abordará um aspecto que não faz parte do dia-a-dia das atividades pastorais. Por exemplo, o Encontro de Casais com Cristo – ECC. Para esse encontro, normalmente, são chamados casais que não têm uma caminhada religiosa assídua. Mas, nada impede que pessoas que caminham assiduamente na Igreja possam, também, fazê-lo. Entretanto, o efeito para o casal sem a caminhada será mais intenso do que para o casal que já possui a caminhada. Isso se dá porque o casal que está “afastado” tem muito mais coisas para repensar do que o casal que está “engajado” e, por ter mais coisas a serem repensadas, o impacto do ECC será maior no casal “afastado”.
Os encontros, então, surgem exatamente para isso: dar uma chacoalhada na pessoa que está participando, levando-a a pensar e repensar coisas que foram sendo abandonadas ao longo da sua vida. Por isso mesmo, a dinâmica do encontro deve ser diferente da dinâmica do retiro. Nesse, o ritmo pode e deve ser introspectivo e passivo, enquanto, no encontro, o ritmo deve ser extrovertido e ativo. Os temas devem ser, dentro do universo proposto, conclusivos, sem a pretensão de deixar qualquer meditação para o “encontrista” fazer depois do evento.
Por isso, sempre que alguém tiver alguma dúvida sobre a natureza do INOVAR, pode afirmar, com certeza, que se trata de um encontro.

A partir de tais premissas, a Casa Betânia, então, precisaria ser adaptada para que se realizasse ali um encontro. Em função disso, fomos tentar buscar alternativas para a realização do I INOVAR.

 Em todas as instalações visitadas as construções eram, ainda, muito menos apropriadas para o encontro, o que vale dizer que as adaptações seriam maiores. Numas, a cozinha era muito distante do auditório, noutras, a Capela ficava em local de difícil acesso à noite, ou não tinham local para a realização da missa de encerramento. Assim, foi que decidimos por voltar para a nossa Casa Betânia que, embora necessitasse de algumas adaptações, se, porventura, fossem mais definitivas, não as perderíamos, fazendo-as e deixando-as lá, pois a casa estava em nossa paróquia e poderíamos usar mais vezes. Ainda tinha um fator dos mais importantes para esta fase da montagem: o custo do aluguel. Na Casa Betânia o aluguel seria zero, enquanto as outras opções sempre nos impunham o ônus inicial do aluguel.

A Casa Betânia é um complexo contendo uma quadra poliesportiva, duas piscinas, sendo uma infantil e uma adulta, uma casa para uma família de zeladores, três quartos pequenos, onde cabem duas camas de solteiro, um ambiente coberto que é chamado, genericamente, de refeitório, que, contiguamente, possui uma pequena cozinha e, finalmente, foram construídas dez salas distribuídas em dois pisos de um prédio que fica ao lado da casa dos zeladores. Essas dez salas foram pensadas para que, durante os retiros, fossem feitos, ali, os estudos das equipes e os trabalhos em grupo. Como se nota, não foi construído nenhum auditório no complexo que compõe a Casa Betânia. Alguém que veio, antes de nós, sentiu falta do auditório e foi autorizado a utilizar duas salas contíguas, no térreo da construção que possuía as dez salas, para que, ali, depois de desmanchada uma parede, se fizesse um ambiente mais amplo, ao qual convencionamos chamar de auditório. Formalmente, são duas salas desmanchadas, com duas colunas de concreto no meio, o que dificulta até a disposição das cadeiras, de forma organizada, para os participantes. Mas, foi o que mais próximo conseguimos chegar de um auditório.

Aquilo a que chamamos de refeitório, na verdade é um galpão medindo em torno de quarenta por vinte metros. Só não é um galpão, na concepção clássica que os conhecemos, porque nas laterais não existem paredes, o que ajuda, em alguns casos, e atrapalha, em outros. Ao invés das paredes laterais que um galpão convencional possui, aquele ambiente foi cercado, em três dos seus quatro lados, por uma mureta, medindo, mais ou menos, cinquenta centímetros de altura, e, acima dela, foram colocadas grades de metal, chegando a uma altura de, aproximadamente, um metro de meio. No quarto lado foi construída uma churrasqueira, uma pequena cozinha com dispensa, dois banheiros e um depósito. Assim era, a grosso modo, o nosso refeitório, a cozinha, a copa, o local para algumas atividades, o lugar para recreação e para uma série de outras coisas que acabaram sendo realizadas ali. Durante as refeições, foi esse local que utilizamos. Já para as outras atividades, quando foi necessário um local grande e aberto, utilizamos a quadra poliesportiva. Mas, a quadra só podia ser usada durante o dia, pois não possuía iluminação. Ainda, a quadra de esporte não era coberta e, nestas condições, além de não poder ser utilizada à noite, também não podia ser utilizada quando chovia. Logo, todas as atividades programadas para utilizar a quadra poliesportiva, durante o dia, tinham, como plano B, o uso do refeitório. Por isso, aquele ambiente foi, e continua sendo, muito mais do que um refeitório. O chamamos de refeitório apenas para referência.

Mas, enfim, era o que tínhamos e tivemos que nos adaptar à Casa Betânia. Assim, partimos para a definição de como seria utilizado esse espaço.  Com relação aos dormitórios, era necessário um número o suficiente para acomodar todos os “encontristas” e a equipe de trabalho. Como comentado, antes, tínhamos apenas oito salas que ficam disponíveis para serem utilizadas como dormitórios. Seriam essas oito salas, então, que teriam que comportar todos os “encontristas” e, se possível, também, acomodar a equipe de trabalho. O critério definido, desde o início, foi utilizar sete das oito salas para acomodar os “encontristas” e destinar uma delas para a equipe de trabalho.

Entretanto, não era somente a distribuição das pessoas que gerava preocupação em relação aos dormitórios. Até o quinto INOVAR, a gente se encarregava de fornecer colchões para todos que participavam do encontro. Lógico que não os possuíamos todos. Quando montamos o primeiro, apenas vinte colchões estavam à nossa disposição na Casa Betânia. Isso nos indicou que seria necessário conseguirmos mais de cem colchões para acomodar todos os jovens esperados. Várias opções foram buscadas, mas só conseguimos atender a nossa demanda com a ajuda do sindicato dos professores do nosso Estado, que nos emprestou mais de oitenta colchões. Depois que conseguimos esse empréstimo, foi necessário buscá-los no clube do sindicato, onde os colchões estavam depositados. Aluguei um caminhão e fui com o motorista buscar aquilo que seria a solução para a moçada dormir. Alguns, nem conseguimos trazer, devido ao estado de decomposição em que se encontravam, outros, trouxemos em condições de uso bastante comprometidas, mas era necessário, porque não teríamos outra solução. A partir do segundo encontro, esta via de solução não foi mais possível, em razão das péssimas condições dos colchões.

Descartada a opção de emprestar do sindicato, para o segundo INOVAR, decidimos por pedir emprestados às famílias paroquianas os colchões necessários para realizar o encontro. Com isso, por um lado, conseguimos espumas de melhor qualidade, por outro lado, foi necessário desenvolver uma logística mais trabalhosa para recolher os colchões nas casas, antes do encontro, e devolvê-los, depois. Logística, na ocasião, significava eu pegar um carro e ir às casas buscar e, depois, devolver para as famílias, ao término do encontro.

PARA QUANTOS JOVENS
Uma das grandes questões que apareceram no momento de montar o encontro, girou em torno do número de participantes. Numa primeira abordagem, o número de participantes determinaria o tamanho de cada uma das atividades, já que, em tese, um maior número de participantes implicaria num maior número de equipes, além do que, as atividades onde cada equipe deveria apresentar o seu resultado seriam maior ou menor, a depender da quantidade de equipes que fariam as apresentações.
Para se resolver com certa razoabilidade esse problema, ficou definido que o número ideal de participantes deveria ser de oitenta jovens. Com isso, montava-se oito equipes, com dez integrantes, cada uma, e sobre esse número poderíamos fazer o planejamento necessário. Assim foi feito. O encontro, independentemente do número de participantes, seria montado para se trabalhar com oito equipes. Sobre essa definição, partiu-se, então, para calibrar as atividades dentro do tempo que se tinha à disposição. Por exemplo, uma apresentação cujo tempo disponível era de trinta minutos, foi dividida por oito equipes e, portanto, cabia, a cada um dos grupos, uma fatia de mais ou menos três minutos e meio. Assim o foi para todas as atividades. Claro que isso só é possível porque as equipes são organizadas, contendo um redator, que é o responsável pela redação de qualquer trabalho da equipe, e um apresentador, que se encarrega de apresentar o trabalho em nome daquele grupo. Assim, independente da quantidade de pessoas que tinha em cada uma das equipes, o tempo para a atividade seria o mesmo.
Desta mesma forma, foi definida a ocupação dos dormitórios, já que tínhamos à disposição somente oito salas que poderiam ser utilizadas para este fim. Uma das salas foi reservada para o dormitório das mulheres que faziam parte da equipe de trabalho.
Portanto, sobraram sete salas que poderiam ser utilizadas pelos “encontristas” como dormitórios. Todos os inscritos deveriam caber nesses sete dormitórios. Mas, para definir a separação dos inscritos no tocante a ocupação dos dormitórios, existia um complicador a mais: as equipes eram mistas, entretanto, os dormitórios deveriam ser separados por sexo.
Então, para ocupar os dormitórios era necessário que se computasse, primeiro, quantos inscritos eram homens e quantos eram mulheres. Definidas as quantidades de cada sexo, por meio de uma proporcionalidade, chegamos a quantos dormitórios deveriam ser destinados para homens e quantos deveriam ser destinados para mulheres. Por tal método, os jovens foram distribuídos nos dormitórios. Desta forma, então, independentemente do número de inscritos, os dormitórios foram ocupados racionalmente.
Às vezes, um complicador que se apresenta é a existência, dentre os inscritos, de algum jovem com necessidades especiais, sobretudo quando essas necessidades dizem respeito à dificuldade de locomoção. Como são sete os dormitórios, é de bom alvitre que sejam ocupados tendo como referência o sexo dos ocupantes, em sequência. Assim, se o dormitório número um for ocupado por mulheres, deve-se atribuir os demais, em sequência, até se acomodar todas as mulheres, para, só depois, iniciar a definição dos dormitórios masculinos. Como os dormitórios são distribuídos em dois pisos, deve-se tomar cuidado para que a pessoa com dificuldade de locomoção não fique no piso superior. Isso pode trazer uma complicação, pois, às vezes, essa situação pode impor uma quebra de sequência da numeração, o que deve ser evitado, sempre.
Dois efeitos colaterais são possíveis nessas fórmulas, tanto para as equipes, quanto para os dormitórios. Pode-se formar equipes com um número muito grande de participantes, ou montar dormitórios superlotados. Isso se houver muitas inscrições e todos os inscritos comparecerem. Por outro lado, pode-se formar equipes muito pequenas e dormitórios subutilizados, caso haja poucas inscrições ou poucos inscritos comparecerem.

Assim, conseguimos nos adaptar à Casa Betânia e, no final das contas, as rotinas do encontro acabaram sendo influenciadas pelo ambiente que se tinha à disposição. A movimentação das equipes de “encontristas” e da equipe de trabalho era feita com base no perfil estrutural da Betânia e todas as outras atividades ficaram com a cara daquele ambiente. O quarto e o quinto INOVAR tiveram que ser realizados em outro local. A realização do encontro em outro local nos propiciou notar o quanto o evento estava adaptado à Casa Betânia.

CADÊ A CASA BETÂNIA
QUE ESTAVA AQUI?
A gente sempre ouve falar que a Igreja Católica não presa pela democracia, já que tudo que acontece em seu seio são decisões tomadas sem consultar a base e, portanto, sem se preocupar com o que pensam os fiéis.
Essa percepção faz todo o sentido quando se observa tudo o que diz respeito à doutrina da nossa Igreja. Nesses vinte séculos de existência, a Igreja Católica sempre obedeceu a uma linha doutrinária conservadora, sem se preocupar muito com as modernidades ou com os modismos. Não fosse assim, não perduraria por tantos séculos. Essa rigidez se deve ao fato de que a doutrina de qualquer religião cristã, não importando a denominação, deve, obrigatoriamente, refletir a maneira como aquela igreja interpreta os evangelhos. Os evangelhos, como se sabe, são estanques e não mudam e não mudarão jamais. Logo, a interpretação que se dá a eles também não deve sofrer variações importantes. Vale dizer, se o vento soprar para um lado ou para o outro, a doutrina católica pouco mudará.
Entretanto, nas questões administrativas da Igreja Católica o comportamento deve ser diferente e o próprio Código de Direito Canônico indica que seja diferente. O Código exige que todas as paróquias sejam dotadas de Conselhos, tanto para os assuntos pastorais, quanto para as questões econômicas/ administrativas. Lógico que esses conselhos funcionam melhor ou pior, dependendo do que o pároco pensa sobre eles. Alguns párocos dão ouvidos a esses conselhos, outros os mantêm apenas para cumprir formalidades.
A Casa Betânia foi construída para atender às necessidades das pastorais e dos serviços da nossa paróquia, com a participação ativa e decisiva de todos os fiéis. Quando ficou pronta, foi uma grande satisfação para todos, que festejamos o fato de podermos, a partir daquele momento, ter à nossa disposição um aparelho superimportante para o atingimento das metas que cada setor da paróquia definia. Muita batalha foi travada, também, pelo pároco da época, para que se atingisse esse resultado. Muita verba foi conseguida no exterior, sobretudo na Itália, com o objetivo de ver aquele projeto realizado. O que faltava, os fiéis arregaçavam as mangas e conseguiam, por meio de promoções, de cotização e por outros meios. A inauguração daquele espaço foi muito comemorada, com disputa de torneios de esportes, banhos de piscinas, muito picolé e um almoço compartilhado. Depois de inaugurada, o pároco partiu para arranjar os meios necessários para utilizar aquele espaço, inventando as mais variadas formas para conseguir os itens da infraestrutura. Lembro-me de que, para conseguir mesas e cadeiras, a fim de equipar as salas, o pároco estipulou que cada pastoral ou serviço que fosse utilizar a Casa Betânia deveria deixar no ambiente duas mesas e dez cadeiras de plástico. Mesas e cadeiras deveriam ser de uma marca especial, pois era a mais resistente. Assim foi feito. As mesas e as cadeiras brancas, de plástico, que existem até hoje, foram conseguidas desta forma. Depois disso, não se acrescentou nenhuma mesa por lá. Ao contrário, é muito comum vermos, na Matriz, as cadeiras que deveriam estar, lá, na Casa Betânia.
Iniciava-se o ano de dois mil e onze e veio uma notícia bomba. Não tínhamos mais à disposição a Casa Betânia. Numa decisão totalmente equivocada e totalitária, o único ambiente que tínhamos para fazer nossos encontros e retiros foi cedido para funcionar o Seminário da Arquidiocese. De repente, ficamos desprovidos de um local, aliás o único, onde era possível programar atividades pastorais, de recreação, confraternização e os demais usos próprios das atividades da nossa igreja.
Essa decisão foi tomada sem ouvir as pessoas interessadas, pois ninguém sabia dos detalhes sobre a cessão. Por quanto tempo? Em que condições? E tantas outras perguntas que se fazia, à época. O fato é que, no susto, de repente, estávamos sem um local tão festejado por todos. Esse episódio me mostrou uma face da nossa Igreja que reputo a mais cruel: o mercantilismo, traduzido no desejo de, em algumas cabeças, obter recursos materiais a qualquer custo.
O nosso seminário arquidiocesano funcionava, desde mil novecentos e oitenta e cinco, num prédio da cúria, que, em tempos remotos, abrigava um Grande Colégio da cidade. Quando o colégio deixou de funcionar, ali, começou a funcionar o Seminário Maior João XXIII, que formava os padres diocesanos da nossa arquidiocese. Essa utilização, dada àquele prédio, fazia com que houvesse uma subutilização do imóvel, visto que, sabemos, vocacionados para o sacerdócio tem sido em número muito reduzido, bem menor do que o necessário.
A determinado tempo, foi tomada a decisão de instalar naquele prédio uma faculdade, que oferece alguns cursos de graduação e pós-graduação. Por um bom período, essa faculdade funcionou harmonicamente com o seminário no mesmo imóvel. Mas, talvez visando a um incremento no resultado financeiro do antigo colégio, o seminário foi convidado a se retirar de lá, para que a faculdade pudesse expandir as suas atividades. Entretanto, não existia um local onde o seminário pudesse se instalar. Nesse cenário, então, foi que perdemos a nossa Casa Betânia, naquele ano. Aparentemente, o retorno financeiro desta operação parece estar compensando aquela decisão frontalmente contra os interesses das pastorais da nossa paróquia.
Para que o seminário se instalasse na Casa Betânia, a arquidiocese teve que fazer algumas alterações. Construíram uma cozinha nova, com lavanderia, uma passarela coberta e reconstruíram a parede da sala que havia sido desmanchada para formar o auditório. Dois anos depois, quando a arquidiocese devolveu a Casa Betânia para a gente, nossa paróquia teve que pagar uma grana alta para a Cúria. Segundo informação corrente, à época, chegou a quase duzentos mil reais o valor que a arquidiocese exigiu para devolver a Casa Betânia, que, segundo consta, teriam sido pagos.
Mas, com a decisão autoritária tomada, não tinha outro jeito a não ser buscar novo local para realizar o quarto INOVAR. Naquele momento, me senti como aquele piloto que inicia a corrida, ultrapassa a todos os outros e, quando faz um pit stop para trocar os pneus, a equipe faz uma lambança, perdendo tempo o suficiente para colocar o piloto lá atrás, de novo. Então, o piloto tem que iniciar as ultrapassagens novamente. Fomos, então, correr atrás de um novo local para realizar o encontro.
A arquidiocese acabou nos disponibilizando seu centro de treinamento de pastorais. Este local possui um auditório formal, com poltronas razoavelmente confortáveis, uma cozinha bem montada, uma capela que comporta em torno de cem pessoas. Os dormitórios, mais confortáveis do que os da Casa Betânia, eram quatorze. Com isso colocava-se mais um complicador, já que para cada dormitório é necessário que haja um adulto para tomar conta, o que dobrava o contingente de pessoas para essa função. Mesmo o auditório, que a princípio se mostrava uma vantagem, disponibilizava apenas um único banheiro para cada sexo.
Esta configuração do centro de treinamento da arquidiocese dificultou muito a realização do encontro. Sobretudo se considerarmos que era no meio do nada, a treze quilômetros da cidade, o que envolvia uma logística de transporte ainda maior do que o normal. Ou seja, mais custos.
Mas, felizmente, depois de muita aporrinhação por parte das pessoas encarregadas de zelar pelo centro de treinamento e, depois de realizar três encontros (dois INOVAR e um RENOVAR), reavimos nossa Casa Betânia e pudemos deixar de utilizar as instalações da arquidiocese, voltando para casa.

Mas o grande nó que apareceu para montar o INOVAR foi a questão financeira. Os recursos necessários eram de tal monta que fugiam de todos os padrões, até então, existentes. Recursos para um único evento, bem entendido. Normalmente, para qualquer evento que se realiza na Igreja, os recursos, por serem escassos, são rateados entre os participantes, por meio de uma colaboração, de lanches compartilhados e de outras contribuições e alternativas que os próprios participantes apresentam.

Entretanto, o INOVAR tinha uma dinâmica diferente neste quesito, pois foi pensado para oferecer aos “encontristas” tudo o que de melhor pudesse ser oferecido, sem, contudo, cobrar um centavo dos participantes. Chegou-se ao requinte de não deixar os participantes gastarem nem mesmo com o transporte para ir ao encontro ou voltar para a casa. Isso envolvia gasto com o deslocamento, por exemplo, tanto para trazer os “encontristas”, como para trazer os familiares para o encerramento e levá-los embora, depois da missa final. Essa logística de transporte foi aplicada até a quinta edição do encontro. Depois, foi impossível oferecer o transporte para todos, pois os participantes já não eram mais somente da nossa paróquia. Como não seria possível oferecer o serviço para uma boa parte dos inscritos, decidimos eliminar por completo esta facilidade, a partir da sexta edição.

Mas os gastos com este evento seriam altos e fora dos padrões que se estava acostumado a praticar nos retiros. Isso sem contar os custos não contabilizados, por exemplo, do combustível que eu gastava percorrendo quilômetros e quilômetros de ruas para visitar os inscritos.

A CIDADE NA PALMA DA MÃO
Dentre as coisas que foram colocadas como imperativo, estavam as visitas que deveriam ser feitas às casas dos inscritos, com o objetivo de conversar com a família de cada um deles para explicar as regras de comportamento do encontro e, também, fazer a apresentação de pelo menos uma pessoa adulta que iria ficar com a responsabilidade de conduzi-lo.
Isso era necessário por que os paroquianos não estavam acostumados com atividades na paróquia em que os participantes ficariam confinados, dormindo no local, e, portanto, era normal que as famílias pudessem ficar preocupadas com o que iria acontecer nos três dias em que seus filhos participariam do encontro.
Nossa paróquia cobre uma extensão territorial que abrange sete bairros, alguns dos maiores da cidade. Para se ter noção da imensidão desse território, contamos com dez comunidades, com sua própria capela, onde são realizadas as celebrações semanais. Como a ideia era abranger todas as comunidades, quando as inscrições foram abertas fomos, eu e a minha esposa, visitar cada uma dessas comunidades para divulgar a abertura das inscrições e os mecanismos para coletá-las.
Como decidimos pelas visitas, era necessário encerrar as inscrições pelo menos dois meses antes do encontro. Só assim seria possível visitar as residências de todos os inscritos.
Coletadas as inscrições, tabuladas e listadas, era época de partir para as visitas em cada uma das residências dos jovens que se propunham a fazer o encontro, rotina repetida até a sexta edição. Até o sexto INOVAR recebemos novecentas inscrições. Claro que nem todos fizeram o encontro, mas tínhamos que visitá-los. Considerando que existem algumas inscrições de irmãos e que, naturalmente, a visita a um dos irmãos serviria para os demais, deve ter totalizado em torno de oitocentas casas, que foram visitadas nessas seis edições do encontro. Considerando ainda, que, em alguns casos, foi necessário voltar à casa, mais de uma vez, tem-se que mais de mil visitas foram feitas nesses seis primeiros encontros.
Nos primeiros três encontros, minha esposa fazia as visitas junto comigo, mas nos outros, fiz essas visitas sozinho. Lembro-me que na quarta, quinta e sexta edições tive que fazer visitas até em cidade vizinha. Começaram a aparecer bairros em todas as regiões da cidade, já que o encontro foi sendo propagado para outras paróquias. Diante disso, a partir da sétima edição foram abandonadas as visitas aos inscritos.
Em função dessas visitas, conheci bairros e ruas que nunca imaginei existirem e passei a ter a cidade na palma das mãos, principalmente os bairros da nossa paróquia.
Hoje, o INOVAR é realizado sem essas visitas e já ouvi alguns inovaristas antigos sugerirem que as retomemos, já que isso fazia muita diferença.

Mas as visitas, apesar de darem muito trabalho e despesas, não tinham o seu custo computado. Eu o suportava com recursos próprios. Entretanto, os outros custos chegavam a algo em torno de oitenta reais por cada “encontrista”. Como se esperava fazer o evento para oitenta jovens, o custo estimado para o primeiro INOVAR era de aproximadamente seis mil e quatrocentos reais, algo em torno de quinze salários mínimos. Com o passar do tempo, fomos diminuindo esse custo. Hoje, não temos mais transportes, como dito acima, e este custo representava algo próximo de vinte por cento das despesas. Outra coisa que abolimos foi o fornecimento de colchões para os “inovaristas”. A partir da sétima edição, cada jovem passou a trazer os próprios colchonetes. Antes, era a gente que se encarregava de fornecê-los e, lógico, com o custo inerente. Lembro-me de que, na quinta edição do encontro, estávamos com um déficit de cinquenta colchões e, certa noite, passeando pelo shopping, notei, numa loja de departamentos, uma oferta de colchão inflável para piscina. Analisei aquelas boias e percebi que seria possível utilizá-las para os jovens dormirem as duas noites do encontro. Então, gastei em torno de seiscentos reais e comprei os cinquenta “colchões” que estavam faltando.

Como dizia, então, muitos custos foram sendo abolidos ao longo do caminho. Isso se deve ao fato de o encontro já estar sedimentado entre os jovens e a demanda por vaga, hoje, ser muito grande. Com isso, os jovens fazem qualquer sacrifício para participar do INOVAR. Diferentemente do início, quando ninguém conhecia o evento e era necessário, para trazer os jovens, oferecer, a eles e às suas famílias, todos os meios e, desta forma, “convencê-los” a participar do encontro.

COBRAR, OU NÃO, TAXA DE INSCRIÇÃO.
Durante a montagem do INOVAR discutiu-se muito sobre se deveríamos cobrar ou não uma taxa de inscrição do jovem que estivesse disposto a participar do encontro. Lógico que esta discussão teve lugar porque os custos se apresentavam muito altos.
Sempre fui contrário à cobrança de qualquer taxa de inscrição para que qualquer pessoa participe dos eventos que a Igreja ofereça. Os motivos são os mais variados, mas dois deles saltam aos olhos: A questão financeira, propriamente dita, e uma questão que diz respeito a uma instituição, ou a alguém, que se oferece para ajudar as pessoas e decide impor uma cobrança por isso.
Olhando pelo prisma financeiro, simplesmente, seria um contrassenso querer cobrar de um jovem para que participasse de um encontro na Igreja, sabendo que, para se captar o suficiente, no nosso caso, para cobrir todas as despesas, a participação de cada pessoa exigiria a cobrança de uma taxa em torno de oitenta reais. Esse valor representava bem mais do que dez por cento de um salário mínimo brasileiro e, como sabemos, existem muitas pessoas que ganham apenas um salário mínimo. Portanto, cobrando oitenta reais para um jovem participar, poder-se-ia estar cobrando mais de dez por cento da renda da sua família, o que seria proibitivo e injusto.
Outra questão, das mais importantes, também com relação a isso, é o fato de a proposta ser de oferecer ao jovem uma opção para fazê-lo refletir sobre uma série de coisas, com o objetivo de fazê-lo, em última análise, mudar de vida. Então, vale dizer, estávamos nos propondo a ajudá-lo de alguma forma. Assim, ao cobrar uma taxa de inscrição, estaríamos cobrando para poder ajudá-lo, o que, convenhamos, não estaria correto.
Discutiu-se, à época, uma taxa de inscrição simbólica, apenas para não dar nada de mão-beijada, mas, mesmo assim, não impedir as pessoas de se inscreverem, caso não dispusessem dos recursos. Lembro-me que foi estipulado um valor de sete reais para quem pudesse pagar, que serviria apenas como caráter pedagógico. Mas, mesmo assim, se deu pouca importância à cobrança dessa taxa. Houve cento e sete inscrições, sendo que noventa e nove confirmaram presença e apenas onze pagaram a taxa, sendo arrecadado apenas setenta e sete reais.

O custo para os primeiros encontros, sobretudo do primeiro, então, foi muito alto. Mas, se quiséssemos fazer um evento com a qualidade pretendida, teríamos que gastar todo aquele montante e, aí, residia um grande problema: como conseguir esses recursos. No primeiro encontro, o que salvou a lavoura foi um baile do dia dos pais promovido pela Pastoral Familiar, onde foi conseguido quase sessenta por cento do necessário. O restante foi conseguido através da renda do bar, neste baile, que aquele grupo inicial de jovens tocou. A renda do bar somou recursos em torno de vinte por cento. Quanto ao restante; uma parte foi reembolsada pela paróquia e assumimos o que faltou.

Para o segundo encontro, as fontes se diversificaram um pouco. Tivemos a ideia de lançar a campanha “adote um inovarista”. Esta campanha consiste em angariar pessoas, já no início do ano, para colaborar com o valor relativo ao custo de um “inovarista”, que, à época, estava estipulada em oitenta reais. A pessoa que fizesse esta adoção assumia o compromisso de pagar o valor da contribuição até o dia da realização do encontro. O próprio adotante escolhia a maneira como iria pagar, em parcelas ou em uma única vez, definindo a data que iria pagar as parcelas ou que iria pagar o total. Duas coisas eram importantes em cada adoção: o compromisso da adoção e a garantia de que na data do encontro o valor estaria quitado. Com a adoção conseguiu-se quase a totalidade dos recursos necessários. Para completar as necessidades, duas fontes apareceram: vendas de chocolates e vendas de quadros. Aproveitamos o baile dos pais da Pastoral Familiar para vender chocolates feitos pela minha esposa e levamos alguns quadros que eu e minha esposa pintávamos, à época, para vender aos presentes por meio de leilão. Ao final, com um aporte aqui e outro ali, foram completados os recursos o suficiente para o encontro.

Como se nota, não existe uma fonte de recursos definida para o INOVAR. Cada um dos encontros é um deus-nos-acuda para se conseguir todo o dinheiro necessário. Espero que a equipe que está assumindo a operacionalização do INOVAR tenha sucesso em conseguir uma fonte segura e definitiva para tocar o evento.


O PARTO


Depois de uma longa preparação e de uma espera ansiosa, finalmente se anuncia o parto do filho tão aguardado. A primeira edição do encontro começa e é chegada a hora de ver se todo o planejamento estava correto e se as coisas iriam acontecer da maneira como todos esperávamos. O encontro era novidade para todo mundo. Mesmo para mim, que tive a ideia e projetei cada uma das atividades do evento, naquele formato, era a primeira vez que participava. Lembro-me de que fiz muitos testes de prancheta para validar o projeto e sempre havia alguma coisa a corrigir. Todos os erros encontrados nos testes de prancheta foram corrigidos, mas há tantos produtos que são testados exaustivamente nas pranchetas e, quando são lançados, apresentam muitos problemas não percebidos na fase de testes, que temíamos o risco de vir a ser assim, também, com o INOVAR. É certo que tínhamos um diferencial. Não estávamos lançando um produto qualquer. O nosso produto foi gerado com uma parceria de respeito, afinal de contas, estávamos fazendo tudo isso em nome de Deus, especialmente com o objetivo de mostrar o seu filho Jesus aos jovens da nossa paróquia. Com uma parceria assim, não tem como não dar certo. Mas chegou a impor uma certa dose de medo.

Uma frase que sempre gostava, e gosto, de repetir para todos que trabalham no INOVAR, atribuída a Santo Ignácio de Loyola, diz o seguinte: “Trabalhe como se tudo dependesse de ti e confia como se tudo dependesse de Deus”. Com esta frase eu gosto de lembrar às pessoas que vão trabalhar no encontro que devemos deixar para Deus apenas aquilo que seja humanamente impossível de fazer, ao resto devemos dar toda a nossa dedicação para que as coisas sejam perfeitas. Com este espírito é que estava presenciando o nascimento daquele filho por tanto tempo acalentado.

O primeiro desafio era trazer as pessoas de suas comunidades para a concentração que ocorria na matriz, de onde todos os “encontristas” sairiam rumo ao local do encontro. Para isso, foi colocado um ônibus para percorrer todas as comunidades, recolhendo os jovens que se inscreveram para o encontro. A logística foi planejada para fazer um círculo no território paroquial, de tal sorte que o ônibus não precisasse refazer qualquer caminho que já tivera percorrido. Para isso, foi estipulado o horário correto em que se passaria em cada comunidade, esperando que os jovens estivessem a postos para serem apanhados. Definida a logística, a sua execução foi entregue ao jovem mais velho da equipe de trabalho.

O FATOR DINOSSAURO
Em todo time de futebol sempre tem um jogador que é chamado de “carregador de piano”. Esse jogador é aquele que passa os noventa minutos do jogo sem que ninguém perceba a sua presença, pois não faz gol, não faz nenhuma jogada de efeito. Entretanto, ao analisar o jogo, percebe-se que ele foi fundamental para a obtenção do resultado final.
No time de trabalho do INOVAR, especialmente a do primeiro encontro, não foi diferente. Uma pessoa se mostrou o carregador de pianos da equipe. Aquela pessoa que, na maioria das vezes passa despercebida, mas que é sempre imprescindível para a realização de qualquer evento. Essa pessoa, por ser a mais velha do grupo de jovens que estava trabalhando no encontro, recebeu o apelido de dinossauro, depois trocaram para o nome de um refrigerante regional.
A função do dinossauro, durante o encontro, foi a de controlar o tempo de cada uma das atividades, função que desempenhou com extrema competência. Mas, na montagem do encontro, foi inestimável a sua colaboração. Esteve sempre à disposição para qualquer trabalho que lhe fosse incumbido. No dia de iniciar o encontro, foi a pessoa responsável por fazer o giro nas comunidades para recolher os jovens que viriam para o evento. Esta função foi dada a ele porque, além de tudo, conhecia muito sobre a nossa paróquia.

Nos primeiros encontros, recebíamos os inscritos todos na matriz, onde eram conferidas as inscrições e era feito um último contato com os familiares. Recebidos todos os inscritos, tínhamos sempre dois ônibus à disposição para conduzi-los até o local do encontro. Essas duas horas foram angustiantes para mim.

Minha esposa, sempre abraçando as minhas ideias, ficou responsável por receber os inscritos na matriz, enquanto eu fiquei no local do encontro orientando as equipes para os últimos aprontos. Então, nessas duas horas, entre pegar os jovens nas comunidades e recebê-los na matriz, não tinha noção do que estava acontecendo. Não sabia se a logística havia tido êxito e não sabia se o número de inscritos que comparecia era o esperado. Foram cento e seis inscrições e estava curioso para saber quantos decidiram ir ao encontro, depois de visitar a casa de cada um e arrancar a promessa de que a maioria compareceria. Todas as minhas dúvidas sobre essas duas horas só viriam a ser sanadas na hora da chegada ao local do encontro, programada para as seis e meia da noite.

Enquanto acontecia a recepção dos jovens, eu, lá no local do encontro, repassava as últimas recomendações, fazíamos uma última oração e tentava fazer a conexão entre todos os setores do encontro. Por uma constelação de fatores, entretanto, o primeiro INOVAR deu seus primeiros passos acéfalo.

Como sabem aqueles que já participaram do INOVAR, o encontro foi desenvolvido para funcionar com dois coordenadores, um jovem e outro adulto. A coordenação adulta coube a mim desempenhar até a nona edição do encontro. Já a coordenação jovem foi entregue a uma pessoa que não estava presente quando aquele encontro teve início. Como todos sabem, também, a ideia original era de que o coordenador adulto seria a pessoa responsável pela montagem do encontro e o coordenador jovem seria a pessoa responsável para conduzir o encontro durante os três dias da sua realização. Mas, infelizmente, a pessoa que foi encarregada de ser o coordenador jovem não estava presente na recepção aos jovens, na chegada deles ao encontro e no início dos trabalhos. Acabou chegando já quando as atividades estavam em pleno andamento.

Isso causou algum problema para o início dos trabalhos, pois, durante o credenciamento dos jovens, tinha se programado que os crachás fossem entregues aos participantes para que, desde logo, todos começassem a se tratar pelos nomes. O crachá também deveria ter algumas informações importantes, como a divisão das equipes e dos dormitórios. Mas, o coordenador não disponibilizou os crachás com antecedência e não compareceu para o approach final. Resultado: a participação dos jovens foi iniciada sem que eles estivessem identificados, sem saberem de qual equipe iriam participar e em qual dormitório deveriam dormir. Este foi o grande problema que aconteceu no primeiro dia do primeiro INOVAR. Se não estivéssemos trabalhando para o melhor patrão do mundo, seria de se pensar em maus agouros. Mas, estávamos trabalhando simplesmente para o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Assim, não tinha como dar errado, tampouco como se pensar em maus agouros.

Dos jovens que estavam trabalhando no encontro, apenas com o coordenador é que houve problema, pois todos os outros foram uma grata surpresa. Hoje, depois de passado tanto tempo, tenho uma explicação para isso. O coordenador foi o único que não entendeu o tamanho da coisa que estava começando. Todos os outros, embora não tivessem a dimensão exata de tudo, sabiam que era muito grande. Mas o comportamento do coordenador me levou a várias reflexões. Uma delas era o porquê de a gente se enganar tanto com as escolhas que fazemos. Não se podia admitir que um encontro programado com tanta antecedência pudesse ter o início que teve, com a coordenação pela metade.

De certa forma, caiu por terra um preceito que me era muito caro: “só improvisa quem não planeja”. Aquela ausência foi a prova cabal de que não houve o planejamento por parte do jovem coordenador. Explico: o jovem coordenador não compareceu ao início do encontro, nem entregou os crachás, porque estava envolvido com um trabalho de final de curso, o temido TCC. Isso, por si só justifica a ausência de qualquer um. Afinal de contas, é um curso inteiro que você está colocando em teste num trabalho de conclusão. A coroação do êxito durante o curso acontece com isso. Entretanto, um TCC não é programado da noite para o dia, ninguém se levanta de manhã, abre os e-mails e lê que aquele dia é o gran finale para o seu curso, quando você tem que desenvolver e apresentar um trabalho desse porte. Esta é uma atividade conhecida com pelo menos seis meses de antecedência, para ser possível fazer as pesquisas necessárias, escrever o trabalho e, finalmente, apresentar, na data determinada. Muito provavelmente, a última definição é com relação à data, mas que também não acontece de última hora. Ou seja, quem está nesta jornada, sabe com antecedência o local, o dia e a hora em que haverá a apresentação. Diante disso, aquilo dito acima é verdade, um trabalho de conclusão de curso justifica qualquer ausência, porém, não há justificativa para que uma pessoa responsável por um trabalho desses assuma os compromissos que aquele jovem assumiu conosco. O mínimo que se esperava dele era que avaliasse a situação, entendesse que não seria possível desempenhar a função que lhe estava sendo confiada e declinasse do convite. Então, diante de dois compromissos importantes, que são marcados com tanta antecedência, não é admissível que a pessoa assuma a ambos, sabendo que um será fatalmente negligenciado. Mas, enfim, foi o primeiro teste de estresse do INOVAR. Felizmente passamos bem por ele.

Mas, retornando um pouco, quando os ônibus chegaram com os jovens, pudemos constatar que dera certo a logística, a recepção funcionou sem sobressaltos, a única nota destoante disso tudo foi a menor presença de jovens. Das cento e seis inscrições recebidas, noventa e nove jovens confirmaram a presença por ocasião das visitas, mas apenas sessenta e cinco jovens compareceram. Uma frequência de mais de sessenta por cento, que se mostrou, ao longo dos encontros, um número para lá de bom, pois tivemos alguns encontros em que compareceram menos de cinquenta por cento dos inscritos. Mas, como se disse anteriormente, o número ideal de jovens para o encontro, segundo todos os planejamentos e testes feitos, girava em torno de oitenta. Como compareceram sessenta e cinco, ficamos a apenas quinze jovens do número ideal e trabalhamos muito bem com essa quantidade. Ao final do encontro, eram apenas sessenta e quatro jovens, pois um deles, não conseguimos segurar até o final e desistiu no sábado, à tarde, quando o levamos para a casa. Sempre frisamos, desde o início do encontro que ninguém é obrigado a ficar até o final, que acontece no domingo à noite.

SEGURANDO O JOVEM
NO ENCONTRO
Uma das coisas que ficaram muito claras no planejamento, e não poderia ser diferente, era que nenhum jovem iria para o encontro sem concordar em ir. Às vezes, muitas vezes, aliás, o jovem não queria ir, mas concordava em ir para agradar a mãe, o pai, os avós ou outra pessoa da família. Entre não querer e não concordar, há uma diferença enorme. O jovem nem sempre queria ficar “preso”, da sexta-feira, à tarde, até o domingo, à noite, sobretudo se considerando que o jovem ficaria isolado do mundo exterior, sem telefone, sem TV e sem nada que o pudesse conectar com aquilo que ficou fora do encontro. Por óbvio que o jovem não iria querer isso. Entretanto, embora não querendo, alguns jovens concordam em fazer esse “sacrifício” para agradar a algum parente.
O contrário acontece com o jovem que não concorda em participar. Ele está lá obrigado, já que não concordou em estar ali.
Então, para quem não quer ir, mas concorda, o encontro passa a ser um grande programa de índio. Já para aquele que foi sem concordar em ir, o encontro se torna insuportável.
Entretanto, durante todas as edições, apesar de todos nós procurarmos evitar que algum jovem fosse ao encontro sem concordar, ainda assim, alguns “inovaristas” estavam lá, mesmo não concordando. Isso dificulta em muito a nossa missão de fazer esses “inovaristas” ficarem no encontro até o seu final. Em alguns casos, não atingimos êxito neste intuito. No primeiro encontro, um dos “inovaristas” pediu para ir embora e não teve jeito de convencê-lo a ficar. Neste caso, alguém da coordenação põe o jovem em um dos carros disponíveis e o leva para a casa, entregando-o aos familiares. Procede-se desta maneira para não correr o risco de alguém sair de casa, com a família sabendo que o jovem irá participar de um encontro na paróquia do bairro e, sem mais, nem menos, o jovem sair do encontro e ficar por aí. Caso o “inovarista” saísse, não fosse entregue aos familiares e acontecesse alguma coisa com ele, a responsabilidade seria dos organizadores do encontro.
Quando acontece de um “inovarista” desistir de participar, ficamos muito tristes e com uma sensação de missão não cumprida. Por que isso? Como se disse, o INOVAR é um encontro onde se procura fazer a família participar de diversas formas para que o membro da família, que está lá dentro, sinta a presença e, ao mesmo tempo, a falta de seus familiares. Com isso, a família fica de fora, na retaguarda, desenvolvendo uma série de atividades para que, ao final, o encontro atinja o seu objetivo, sobretudo para o seu filho ou sua filha que esteja lá dentro. Essas atividades desenvolvidas pelos familiares, muitas vezes, começam muito antes de o encontro se iniciar. Então, quando um “inovarista” decide deixar de participar, nossa reação é das piores possíveis, pois, além de nos sentirmos incompetentes para segurar um “inovarista” no encontro, ainda tem a decepção que aquele jovem pode causar à sua família.
Felizmente, isso aconteceu apenas em três encontros diferentes, com apenas três jovens. Isso não quer dizer que outros “inovaristas” não tenham tentado ir embora. Ao contrário, muitos tentaram. Quando isso acontece, a pessoa encarregada de conversar com este “inovarista” sou eu. Felizmente, tenho conseguido segurar muitos que pretendiam abandonar o encontro. Ao final, no domingo à noite, em todos os casos, o “inovarista” que foi convencido a ficar, vem me agradecer por isso.
Para convencer aqueles jovens que pretendem sair, a não saírem, desenvolvi uma técnica que tem funcionado muito bem. Como no sábado, à noite, existe uma atividade que é o ápice do encontro e quem chegar até ali, com certeza, não desiste mais, e como, por ser o sábado o dia mais cansativo do encontro, normalmente é quando o jovem pensa na sua desistência. Considerando isso, eu faço uma proposta ao “inovarista” desistente, com o seguinte teor “você fica até a meia-noite de hoje. Caso você ainda queira ir embora, ao invés de ir para o dormitório, vamos levá-lo para casa”. A atividade de sábado à noite acontece e, não raro, procuro o “inovarista” que queria desistir, propondo levá-lo embora, recebendo como resposta um retumbante não.
Assim, tenho conseguido não perder mais nenhum “inovarista” e, no final do encontro, todos ficam agradecidos, inclusive os familiares.

Passado o momento da recepção, com as informações que vieram da turma que ficou recebendo os inscritos, vencidos os problemas gerados pela ausência dos crachás, que o coordenador jovem não havia preparado, o encontro teve o seu primeiro dia concluído com certa segurança. Todos os setores do encontro funcionaram neste primeiro dia como uma orquestra bem afinada.

Uma das atividades da equipe de trabalho é uma reunião que acontece depois de encerrados os trabalhos, no primeiro e segundo dias do encontro. Essa reunião foi chamada de morcego, devido ao horário em que ela acontece: normalmente começa a uma da madrugada e termina somente quando se encerram os assuntos. Usamos a morcego para analisar os erros ocorridos durante o dia, descobrir um meio de eles não se repetirem no dia seguinte e passar um pente fino na preparação do restante do encontro.

A reunião morcego, do primeiro dia do primeiro INOVAR, foi tensa, pois, desde sempre, esta reunião foi pensada para que fosse feita uma avaliação realista, apontando as falhas que aconteceram, independente de quem as tenha cometido ou causado. Sob esse prisma, é claro que a falha do coordenador jovem foi o prato principal da avaliação. Tinha que ser assim, principalmente para não passar uma mensagem errada para os demais. Se a falha cometida pelo coordenador jovem fosse considerada alguma coisa irrelevante, acenaríamos aos futuros coordenadores que seriam admitidas faltas, iguais ou maiores, e isso poderia colocar em risco os próximos encontros. Também, naquele momento, seria como admitir, aos olhos das demais pessoas da equipe de trabalho, que poderiam considerar a possibilidade de não levar a sério as atividades daquele primeiro encontro, o que, fatalmente, o colocaria em risco.

AVALIAR PARA QUÊ?
Qualquer atividade que se faz na vida deve passar por uma avaliação após a sua realização. Sobretudo, naquelas atividades seriadas, ou seja: aquelas que acontecerão repetitivamente ou serão elos entre outras atividades posteriores. Por isso, por exemplo, os técnicos de futebol fazem a avaliação com o seu grupo depois da partida anterior e antes da próxima, os produtores de programas midiáticos semanais também o fazem. Médicos o fazem depois de qualquer procedimento mais elaborado. Ou seja, em todas as atividades humanas, a avaliação de resultados é salutar para qualquer processo evolutivo.
Entretanto, nas atividades religiosas não é usual colocar avaliações como parte integrante do processo. Quando elas são colocadas, na maioria das vezes, ocorrem sob um clima de “graças a Deus deu tudo certo” e bola para a frente. Quando alguém se mete a fazer uma avaliação, de verdade, tocando em algumas falhas ocorridas, as pessoas que cometeram as faltas apontadas logo tomam aquilo como pessoal e, quase sempre, abandonam a caminhada, porque, na visão pobre dessas pessoas, quem critica o faz porque está contra.
Pois bem, “graças a Deus deu tudo certo” é a frase menos cristã que ouço depois de uma atividade religiosa qualquer. Claro que tudo deu certo graças a Deus, mas falar isso é assumir que não demos muita bola para nossas funções e deixamos tudo pela vontade de Deus. Deixar tudo pela vontade de Deus significa que é muito pouco o que estamos oferecendo para os eventos darem certos. Precisamos relembrar Santo Ignácio de Loyola “Trabalhe como se tudo dependesse de ti e confia como se tudo dependesse de Deus”.
Por esse prisma, então, é necessário, sim, fazer uma avaliação realista ao final de cada um dos eventos que realizamos no âmbito da Igreja.
Claro que é muito difícil fazer isso. Certa feita estávamos, eu e a minha esposa, na coordenação da Pastoral Familiar e, ao final de um Curso de Noivos, decidimos, na avaliação, tecer comentários sobre todas as falhas por nós anotadas durante aquele evento. Faltou lenço para tantas lágrimas e ouvidos para tantos muxoxos. Não adiantaram nada todas as ressalvas feitas ou a inclusão até mesmo dos erros que eu e a minha esposa tínhamos cometidos. As pessoas que haviam cometido as falhas apontadas por nós, simplesmente acharam que não queríamos que elas participassem mais daquele evento. Resultado: nos dois anos seguintes, enquanto estávamos à frente da Pastoral, para todos os eventos, convocávamos uma avaliação proforma, preocupados em não ferir suscetibilidades. Todos vinham com aquele negócio de que “deu tudo certo, graças a Deus”, resultando que quem participava da reunião de avaliação imaginava que estava diante de uma equipe perfeita, que não cometera qualquer erro, ou seja; era o nirvana. Quando deixamos a coordenação da Pastoral, deixamos de participar das reuniões de avaliações, já que não era possível fazer uma avaliação realista do evento e, simplesmente para falar das coisas que deram certo, não é necessária qualquer avaliação. Afinal, fazer a coisa certa é obrigação de todos. Aliás, todos estão ali para fazer as coisas certas. É necessário analisar os erros e avaliar as condições em que eles ocorreram, não como “caça às bruxas”, mas para que os erros não se repitam no futuro. Desta forma, daremos menos trabalho para Deus.

Aquele primeiro INOVAR, então, transcorreu bem e quase tudo o que havíamos colocado na prancheta aconteceu. As duas ocorrências mais sérias que houve neste encontro não chegaram a atrapalhar o resultado final. Aliás, uma delas serviu para que fosse feita uma adaptação importante na rotina do encontro.

A primeira ocorrência séria foi aquela dos crachás, que já discutimos antes. A segunda ocorrência séria foi com relação às palestras. Dentre as palestras havia uma com o tema “O corpo e o templo do Senhor”. Palestra de apenas quinze minutos que era ministrada no sábado, à tarde. Por outro lado, existia uma com o tema “Ser Jovem”, de vinte minutos, no final da tarde de sábado.

A pessoa escalada para ministrar a palestra “Ser Jovem”, não compareceu, mesmo com todos os cuidados que tomamos para não existir a falta de palestrante, como já dissemos. Essa falta nos obrigou a um remanejamento para atender a uma situação que não estava prevista no cronograma: um tempo livre para os “inovaristas” irem para o dormitório, a fim de descansar e tomar um banho. Esse tempo concedido a eles se mostrou mais producente, já que, na programação, eles só voltariam ao dormitório ao final das atividades do dia e isso os levaria a uma exaustão desnecessária.

Para acomodar, então, a necessidade de dedicar um tempo para o dormitório, no sábado, ao final da tarde, foi feita a única alteração de vulto naquilo que havíamos planejado e testado na prancheta. Decidimos por abolir a palestra “O corpo e o templo do Senhor”, levamos a palestra “Ser Jovem” para o início da tarde, encurtamos uma animação e um trabalho em grupo e, assim, foi liberado o dormitório aos “inovaristas”, por quarenta minutos, para usarem esse tempo da maneira que quisessem. Fora essa alteração, somente aconteceu mais uma, que já discutimos antes. Aquela que foi feita para resolver o problema da missa de encerramento, que, naquele formato e proposta, havia perdido o sentido.

Então, com muito empenho dos jovens, com o apoio de alguns adultos abnegados e com pouco apoio da estrutura da paróquia, o primeiro INOVAR aconteceu, o segundo veio, vieram os outros e este ano realizou-se a décima edição do encontro. Espero sinceramente que sejam as primeiras dez edições de uma série infindável.



A UM PASSO DE CHUTAR O PAU DA BARRACA




Enfrentamos tantos problemas para realizar o primeiro INOVAR que, eu e a minha esposa, tomamos a decisão de não realizar o segundo encontro. Então, preparamos uma despedida dos jovens que aconteceria no “Dia de Lazer dos Inovaristas”, uma tradição que se mantém desde o primeiro encontro. Depois de nos despedirmos dos jovens, conversaríamos com o pároco e daríamos por encerrada a nossa participação no projeto, que era a realização de um sonho acalentado por muito tempo.

Foram tantos os problemas que enfrentamos que seria cansativo ficar, aqui, narrando todos. Mas o descaso com que o evento foi tratado, e ainda o é, fez com que essa marca de dez encontros se tornasse ainda mais espetacular. Não fosse a rede de apoio criada pelos jovens, que viram no INOVAR uma razão a mais para tocarem as suas vidas, teríamos sucumbido no meio da batalha.

O INOVAR foi pensado, desde sempre, para que um padre se fizesse presente durante todo o tempo do encontro. Um padre que dormisse no local, que acompanhasse todas as atividades, que interagisse com a meninada e, sempre que um deles sentisse a necessidade de um aconselhamento espiritual ou de uma confissão, teria, ali, uma pessoa preparada para lhe atender. Esse padre, então, seria o Diretor Espiritual do encontro e, bastante óbvio, parece, a missa de encerramento seria “a” missa, coroando com uma celebração inesquecível a todos os acontecimentos daqueles três dias.

Por essa ótica, o padre escalado para participar do INOVAR estaria integrado com a equipe de trabalho, ajudando essa equipe nas questões espirituais, espiritualizando o ambiente, ajudando a equipe da capela a manter o clima de oração necessário para o bom desenrolar do encontro. Nem é preciso dizer que precisaria de um desprendimento enorme para o exercício desta função, pois o padre, no encontro, não teria nenhuma regalia, como acontece no seu dia-a-dia. Ao contrário de ter um monte de gente trabalhando para que ele desenvolva as suas atividades, ele estaria à disposição de um monte de gente para que esses exercessem suas atividades.

Para a realização do primeiro encontro, foi solicitado, então, ao pároco a cessão de um padre para ficar residente durante os três dias do evento. Na ocasião, existiam dois padres que serviam a nossa comunidade. Então, chegamos até a sugerir que fosse cedido o vigário paroquial, já que, na nossa visão, este seria mais fácil de ser liberado, visto que, na hierarquia da Igreja, o vigário paroquial é um cargo menos importante que o do pároco. Portanto, foi feito o pleito para que fosse definido um padre para acompanhar o encontro e que poderia ser o vigário paroquial.

Quem exercia o cargo de vigário paroquial, na ocasião, era alguém, filho de uma família de origem italiana e alemã, muito simpático, com um conhecimento bastante grande de doutrina católica, de liturgia e de muitas outras coisas da nossa Igreja. Considerando a idade dele, estava acima da média na questão da formação. A empatia que o vigário tinha com os jovens o habilitava para exercer a função que necessitávamos, por isso o nosso pleito e sugestão. Mas, sempre sabendo que a decisão deveria ser do pároco.

Fizemos o pleito e ficamos esperando a resposta. Enquanto isso, fomos tocando os demais itens do planejamento. Era importante a definição do padre residente, pois a alternativa a isso seria convidar uma freira para tentar substitui-lo, o que também demanda tempo, visto ser uma atividade que consome a pessoa durante três dias e isso requer um planejamento, também, por parte dos religiosos. Mas, em qualquer caso, padre ou freira, seria necessário pensar nas acomodações de um ou de outro.

Esperamos a resposta do pároco por algum tempo e, quando ela veio, foi negativa. Não seria possível liberar um padre para ficar residente no encontro. A decisão foi defendida com um argumento bastante forte, consistente e lógico. O pároco nos colocou que ele, na condição de pároco, não poderia ficar hibernado num encontro de jovens durante três dias e não poderia liberar o vigário para não passar à juventude a ideia de que ser padre é apenas ficar por aí tocando violão. Sim, esqueci de falar, o vigário que indicamos toca violão muito bem. O medo, então, do pároco, era que isso pudesse passar aos jovens a mensagem de que para ser padre bastaria saber tocar violão, ter empatia e agradar aos jovens. Compreensível. Ou não?

Da maneira que nossa Igreja define a sua hierarquia, devemos respeitar as decisões dos párocos e não há maneira de questioná-las. Assim, fazer-se o quê? Acatar a decisão e partir para a organização do INOVAR sem a presença de um padre residente. Convidamos uma freira para nos acompanhar e ficamos gratos a ela por ter aceito de pronto. Essa freira nos acompanhou em alguns encontros e, hoje, os encontros acontecem sem a presença de religiosos, o que não é muito bom para os jovens que fazem o INOVAR. Mesmo com a presença da freira, ainda assim, não tínhamos a opção de alguém para oferecer o sacramento da penitência, que em alguns momentos faz tanta falta nesses tipos de encontro, até mesmo para a equipe de trabalho. Muitas vezes bate uma vontade de se confessar durante o trabalho com essa meninada, mas, graças à Deus, pelo menos a irmã estava presente no primeiro INOVAR para nos apoiar.

Montando o primeiro encontro foi preciso utilizar algum material da paróquia, pois o local disponível não possui a infraestrutura necessária para a realização do INOVAR. Foi conversado com o pároco para que pegássemos alguns equipamentos, sobretudo de som, que estavam à disposição no salão paroquial. Concorde com isso, pedimos a um dos jovens para ir até a matriz buscar tais equipamentos. Não sei se de propósito, ou por engano, quem foi buscar os equipamentos pegou uma das caixas de som e um dos microfones que era utilizado durante a missa. No meio da tarde de sábado alguém recebeu uma ligação do pároco exigindo que fossem levados, imediatamente, a caixa de som e o microfone para a paróquia. Acontece que tanto a caixa de som, quanto o microfone, estavam sendo utilizados. Então, me passaram o problema. Quando tentei contemporizar as coisas, pedindo ao pároco para ficar com os equipamentos naquele final de semana, o pároco não concordou. Pedi, então, que esperasse pelo menos terminar a atividade que estava acontecendo, para a gente ver que solução daríamos para liberar os equipamentos. Inútil, o pároco não concordou e disse que uma pessoa já havia saído da matriz para ir ao local do encontro com o objetivo de pegar a caixa de som e o microfone, salientando que era para a pessoa voltar, imediatamente, levando os equipamentos. Antes que terminássemos a atividade que se realizava, chegou o mensageiro do padre e fomos obrigados a terminar aquela atividade sem som, porque a caixa que estava sendo utilizada na sala era exatamente aquela que deveria ser devolvida à matriz. Microfone até tinha outro, mas caixa não. Mais uma vez, obedeça-se a pessoa que manda, em detrimento de um grupo de jovens. Terminada a atividade, tivemos que instalar uma caixa de som menos potente, que havíamos levado e deixado de reserva, e, assim, tocamos o barco.

Uma das propostas, quando foi dado o início a esse trabalho, era usar o INOVAR como um chamariz para os jovens e, a partir de então, desenvolver um meio de fazê-los participar da caminhada, perenizando suas atitudes em prol de uma vivência religiosa profícua. Para atingir esse segundo objetivo, foi sugerido por nós que se criasse um grupo que serviria como preparação para os jovens oriundos do INOVAR, a fim de que eles fomentassem a criação de outros grupos. Os jovens aceitaram a sugestão e criaram um grupo que recebeu o nome de NaCl, uma sigla que, ao mesmo tempo que representava aquilo que eles queriam ser na terra, ainda representava aquilo em que eles acreditavam. Como todos sabem, NaCl é o símbolo químico do Cloreto de Sódio, que vem a ser o sal. Isso indicava, então, o que esses jovens se propunham a ser no meio em que viviam. Mas, além do símbolo do sal, esta sigla também representava o nome do grupo: “Nós acreditamos em Cristo libertador”.

“EM” OU “NO” CRISTO LIBERTADOR?
Quando do debate sobre o nome do grupo que se criava para abrigar os jovens oriundos do INOVAR, foi travada uma discussão interessante sobre se o nome do grupo seria “Nós acreditamos no Cristo libertador” ou se seria “Nós acreditamos em Cristo libertador”. Ao final, ganhou a segunda opção, com uma justificativa importante. Caso se usasse a fórmula “no”, estaríamos fazendo uma junção da preposição “em”, mais o determinante “o”. Isso poderia denotar a interpretação de que existe mais de um Cristo e a gente estaria adotando uma crença naquele que é o libertador. Já pela fórmula “em”, usando apenas a preposição: denota que existe apenas um Cristo, e que é libertador, no qual acreditamos.

Esse grupo se reunia aos domingos, às cinco e quinze da tarde. Um horário meio estranho, mas era o que atendia a maioria das disponibilidades, pois, no domingo, à tarde, todos já tinham almoçado com as suas famílias, descansado e até, em muitos casos, já estavam morgando e, com um pouco de coragem, era só se dirigir ao salão paroquial da Igreja e participar de uma reunião agradável com os amigos. Por que às cinco e quinze e não as cinco horas? Durante o horário de verão, temos, aqui, duas horas a menos no fuso horário. Os jogos de futebol transmitidos pela televisão, na época, aconteciam às duas da tarde, terminando entre quinze para as quatro e quatro horas. Quando não era horário de verão as partidas aconteciam uma hora mais tarde, terminando entre quinze paras as cinco e cinco horas. Assim, começando a reunião às cinco e quinze, era possível atingir até as pessoas que gostavam de assistir futebol pela televisão, no domingo, à tarde, independentemente de ser horário de verão ou horário de inverno. O objetivo era facilitar para todos.

A nossa paróquia, por decisão das pessoas que a dirigiam, alugou para a prefeitura todas as salas que as pastorais e serviços utilizavam para fazer as suas reuniões. A prefeitura montou, lá, uma escola, que funciona até hoje, e o espaço só é utilizado pela paróquia nos finais de semana, quando não tem aulas. No sábado, à tarde, e no domingo, pela manhã, as salas da escola são utilizadas pela catequese. O resto da semana não se tem acesso às salas e, mesmo quando se tem o acesso, há o complicador de se tratar de um espaço utilizado pelas crianças, com cadeiras para crianças, impossível de ser utilizado pelas pastorais e serviços da paróquia. Com isso, sobrou apenas o salão paroquial para todos os grupos que queiram fazer qualquer reunião, donde se conclui que não é possível marcar duas reuniões simultâneas. Mas o CPA e o pároco acham que compensa deixar esse espaço alugado.

 Então, as reuniões do NaCl deveriam acontecer no salão paroquial. Na maioria das vezes, aconteceu, realmente, neste local. Mas, várias vezes, foram feitas as reuniões desse grupo no pátio da Paróquia, porque, simplesmente, não tinha ninguém que pudesse abrir o salão paroquial para os jovens se reunirem. Uma vez, me lembro, com indignação até, que não conseguimos entrar nem no pátio da paróquia, pois o portão frontal estava fechado e não havia ninguém para abri-lo.

Nossa intenção, minha e da minha esposa, era acompanhar esse grupo até que pudessem caminhar com as próprias pernas e, isso, segundo pensávamos, levaria um ano. Apesar do descaso com que se tratava esse grupo, o acompanhamos e conseguimos que ele funcionasse por alguns meses, até que decidimos soltar as mãos dos jovens e ficar por perto, vendo como seria a caminhada deles. Quando tomamos esta decisão, percebemos um certo alívio de algumas pessoas e não entendemos direito. Com o passar do tempo, ficou claro para a gente: Criou-se a PJ, concorrendo com o NaCl. Resultou que tinha-se dois grupos de jovens na paróquia, ambos sem assistência, ambos sendo tratados com descaso, e o NaCl foi definhando até morrer. Sorte melhor não teve também a PJ.

De tanto remar contra a maré, decidimos que, no Dia de Lazer dos inovaristas, iríamos nos despedir dos jovens, desistindo do sonho de criar um movimento dirigido à juventude da nossa paróquia. Isso, depois de mostrar que era possível fazer o trabalho a que nos propúnhamos.

Esse Dia de Lazer foi instituído, desde a primeira edição do INOVAR, com a finalidade de proporcionar um dia de integração entre as pessoas que fizeram o encontro e as pessoas que trabalharam para a sua realização. Como o INOVAR acontece num local que possui piscinas e quadra de esporte e, durante os três dias, os “encontristas” não usufruem dessa infraestrutura, pois, durante o encontro, à exceção da piscina, é utilizada toda a instalação, além de estarem assoberbados com as atividades, o Dia de Lazer, então, veio para proporcionar a oportunidade de utilizarem tal estrutura para o seu laser, efetivamente. Nesse dia, as únicas atividades que todos estão obrigados a participar são a da oração inicial e a da oração final. O resto do período, embora sejam colocadas várias atividades à disposição dos jovens, a participação não é obrigatória. É muito comum estar rolando num canto uma gincana e uma turma ficar aproveitando a piscina, ou jogando futebol, ou um carteado, ou tocando violão. Ou seja; é um dia de liberdade total para os jovens. Inclusive, comidas e bebidas são levadas pelos próprios jovens, sendo proibida apenas a entrada de bebida alcoólica.

Tínhamos traçado a estratégia de, ao final do dia, informar aos jovens a nossa desistência, para que todas aquelas atividades não fossem prejudicadas. Uma hora antes de terminar, reunimos o pessoal para a oração final, após o que, faríamos o anúncio. Mas fomos surpreendidos com outra atividade que os jovens haviam organizado para nós. Eles prepararam uma homenagem, tão absolutamente emocionante, que nos levou, a mim e a minha esposa, a chorar muito naquela meia hora de mensagens, que eles falaram, leram e entregaram para nós, escritas em papéis, os mais variados possível. Alguns escreveram em papel comum, outros fizeram verdadeiras obras de arte para apresentar a mensagem escrita. Outros, ainda, fizeram em forma de poesia. Foi uma torrente tão grande de palavras bonitas, mensagens lindas e demonstração de afeto, definitivamente estonteantes, que, ao final, chorávamos copiosamente e estávamos definitivamente na lona, derrotados e demovidos da nossa ideia de abandonar aqueles seres maravilhosos, que mal estavam começando uma caminhada religiosa e não mereciam ser abandonados, assim, de repente. Chegou o momento de agradecermos por tudo aquilo que estávamos vivenciando e, não restava outra coisa a fazer: Juramos fidelidade eterna àqueles meninos e meninas que estavam, ali, com as mãos estendidas para que as segurássemos, a fim de lhes indicar um caminho a seguir. Neste momento, fizemos um comentário rápido sobre a nossa intenção de, até momentos antes, desistir de tudo e, no meio de soluços e felicidades, fizemos as juras que esperavam que fizéssemos. Depois disso, conduzimos uma oração final, encerramos o primeiro Dia de Lazer dos “inovaristas” e fomos para casa, com a alma lavada e aliviados. Hoje, olhando em perspectiva, percebemos que Deus é muito generoso conosco, pois não permitiu que desistíssemos naquele momento, porque ainda tínhamos um importante trabalho para realizar com os jovens da nossa paróquia. Graças à atitude daquela moçada, continuamos, chegamos à edição número dez do INOVAR e já se vão mais de oitocentos jovens que experimentaram a sensação de encontrar um sentido na vida. Somos muito gratos àqueles jovens e, lógico, à Deus por ter nos proporcionado isso.
Nossa intenção de chutar o pau da barraca foi contida pelos jovens, tocamos a vida à frente do grupo que acabava de se formar, mas, infelizmente, o descaso com a juventude não cessou e continua a acontecer. As coisas que dizem respeito às atividades dos jovens são consideradas coisas de menor importância, sendo tratadas pelos responsáveis pela paróquia apenas quando todos os outros assuntos já não precisam ser tratados.

No nono INOVAR, ainda tivemos um episódio envolvendo algumas cadeiras que foram tiradas da Casa Betânia e levadas para a matriz e nunca mais foram devolvidas. Essas cadeiras estavam fazendo falta para a montagem do encontro e foi solicitada a autorização para retorná-las para o seu local de origem. A pessoa a quem cabia decidir se podíamos trazer as cadeiras não autorizou que as levássemos de volta. Para não causar danos prováveis ao encontro, foi necessário alugar as cadeiras faltantes. Felizmente, não tivemos nenhum custo, pois o casal que nos cedeu as cadeiras tem um filho e um sobrinho “inovaristas” e se recusou a receber o aluguel.

Entretanto, o descaso com as coisas dos jovens na nossa paróquia atingiu o ápice com um episódio ocorrido em dois mil e quatorze, que abalou toda a paróquia, mas acabou prejudicando mais profundamente a juventude espalhada por todas as comunidades. Esse episódio marcou profundamente a todos, causou um grande desgaste a todas as pessoas envolvidas, relacionamentos antigos foram abalados e, até hoje, o conjunto de todas as atividades paroquiais ainda não superou os efeitos gerados. O pivô dessa crise tão terrível foi uma congregação de freiras que atendia a nossa paróquia, desde sempre, e que se viu obrigada a nos abandonar.


ABATIDAS EM PLENO VÔO


Desde quando ainda éramos uma comunidade de outra paróquia, do bairro vizinho, tínhamos o privilégio de ser atendidos pelas freiras de uma congregação oriunda da Itália. Trata-se das Irmãs da Sagrada Família de Spoleto, instituto fundado pelo beato Pietro Bonilli, em 1888, que possui ramificações em todos os continentes do mundo. Nossa paróquia, então, podia contar com a presença dessas destemidas mulheres que, mesmo sem todas as condições necessárias, foi de fundamental importância na estruturação das atividades paroquiais, quando deixamos de ser uma comunidade e passamos a ser uma paróquia, com administração própria. Aliás, neste momento da história da nossa paróquia, tivemos a sorte de ser adotados pela Diocese de Spoleto. Tecnicamente não é adoção que se chama a isso, mas para ficar um pouco melhor entendido, vamos tratar como adoção. A Diocese de Spoleto, na Itália, que tinha por lá setenta e quatro paróquias, considerou a nossa como se fosse a septuagésima quinta paróquia daquela prelazia. Com isso, por muito tempo, a nossa paróquia era dirigida por um pároco oriundo daquela Diocese. Foi nessa esteira que se conseguiu fixar, por aqui, uma representação das Irmãs da Sagrada Família de Spoleto.

Algumas mulheres que optaram pela missão de serem freiras, saindo pelo mundo evangelizando as pessoas, atuaram, então, na nossa paróquia por um longo tempo. Durante esse tempo todo, todas as áreas da nossa paróquia eram atendidas por aquelas freiras. Com uma infraestrutura muito reduzida, suas ações aconteciam nas comunidades de nossa paróquia, que chegou a um número de dez, e o deslocamento das freiras se dava por meios que elas tinham disponíveis. Na maioria das vezes, era a pé mesmo que elas se embrenhavam naquele barro todo das ruas sem asfalto que compunham o território paroquial. Era a glória quando uma delas conseguia uma bicicleta, que adquiriam com recursos ganhados de alguém ou quando ganhavam a própria bicicleta, mesmo que usada. Nos últimos anos, elas conseguiram adquirir um carro popular usado e já tinham um pouco mais de conforto nos atendimentos às comunidades.

Muito antes de a gente trabalhar com os jovens em nossa paróquia, quem cuidava da área eram as Irmãs da Sagrada Família de Spoleto. Muitos jovens casais que, hoje, batizam seus filhos na nossa paróquia, seguem a nossa religião graças a um trabalho forte que as freiras fizeram. Por motivos alheios à vontade delas, deixaram de comandar diretamente os grupos de jovens da Igreja, foi quando a juventude, organizada como estava, deixou de existir e os jovens ficaram meio que jogados à própria sorte. Mas, quando iniciamos o trabalho com a juventude, quem nos indicou aqueles jovens que poderíamos convidar para dar o pontapé inicial, foram as freiras.

Mesmo que as freiras não estivessem mais diretamente envolvidas com os jovens e mesmo que os jovens não estivessem mais organizados formalmente em grupos, elas estavam presentes em todas as comunidades da paróquia e, ali, davam assistência a todos, inclusive a eles. Quando, em alguma comunidade, os jovens decidiam por um protagonismo maior, essas freiras é que eram procuradas ou que compareciam para dar apoio e acompanhá-los. Isso fez com que algumas comunidades montassem uma juventude ativa que, mesmo sem estar formalmente organizadas, transversalmente estavam presentes em todas as atividades. Então, era muito comum se ver nas comunidades, jovens tocando nas missas, ministrando ensinamentos durante as aulas de catequese, fazendo visitas a famílias carentes e uma série de outras atividades que eram propostas à comunidade.

Nestas condições, era muito confortável para a gente comandar um serviço como o INOVAR, já que este serviço era apenas uma maneira de fazer uma chamada aos jovens para que pudessem se ocupar das coisas da nossa Igreja. Ocorre que o INOVAR, em si, é apenas um encontro, onde os jovens passam algumas horas e saem de lá cheios de vontade de servir à religião. Mas, falta-lhes alguém para segurar-lhes as mãos no dia-a-dia da caminhada, para conduzi-los na missão de evangelizar, especialmente para outros jovens. Esse papel era cumprido magistralmente pelas Irmãs da Sagrada Família de Spoleto.

Então, embora essas freiras nunca tivessem participado de um INOVAR com a gente, existia, mais ou menos, um acordo tácito entre nós e elas em que, a nós cabia formar a “mão-de-obra” e a elas cabia empregar aquela “mão-de-obra” formada, no trabalho evangelizador. Essa parceria funcionou perfeitamente durante todo o tempo, desde a ocorrência do primeiro encontro até o momento em que as freiras foram embora para outras bandas.

Nem tinha começado direito o ano de dois mil e quatorze, quando fomos surpreendidos por um imbróglio cabeludo. As freiras da Sagrada Família de Spoleto estavam com um pé fora da nossa paróquia. Voltando das férias de início de ano, me deparei com um movimento interno que movia a maioria dos fiéis no sentido de evitar que aquelas religiosas fossem embora e nos abandonassem. O movimento era mais intenso no seio da juventude, já que seriam eles os maiores prejudicados, caso as irmãs se despedissem de nós. Na ocasião, estava muito em moda o chamado “rolezinho”, que consistia nos jovens combinarem um encontro num shopping e fazerem alguma manifestação. Aproveitando a onda do rolezinho, a juventude da paróquia marcou um encontro deles na matriz, depois da missa do segundo domingo do mês de março. Este encontro, que recebeu o nome de rolezinho espiritual, tinha a finalidade de cobrar do pároco uma explicação sobre a saída das freiras da nossa paróquia. Todos os jovens vestiam preto para simbolizar que estavam de luto.

Foi um encontro tenso, que aconteceu dentro da Igreja, onde o pároco se mostrou irredutível na decisão com relação às freiras. Aliás, a posição não era pela saída das freiras, a decisão tomada pelo sacerdote, na qual se mostrava irredutível, era que uma determinada freira não trabalharia mais na paróquia. Quando questionado sobre os motivos, ele alegou questões de foro íntimo e encerrou a discussão, dizendo que nada iria demovê-lo da decisão de querer a saída daquela freira.

Como era uma questão de foro íntimo, não revelada, nem para a superiora da congregação, por óbvio que a decisão das instâncias superiores das freiras, foi a de não trabalhar mais por aqui. Dizia a superiora: “se uma das nossas filhas não pode trabalhar, aqui, e não se apresentam motivos para isso, é claro que as outras filhas também não poderão trabalhar”. Na época, a superiora foi conversar com o Arcebispo, que aceitou a decisão do padre e não fez caso nenhum se as freiras iriam ou não embora, mas, também, não revelou o motivo pelo qual o padre estava expulsando uma das irmãs.

Depois do encontro do padre com os jovens, formamos um pequeno grupo de adultos para conversar com o sacerdote e tentar demovê-lo da intenção de expulsar a freira. A posição do pároco não mudou e saímos desta reunião com a nítida impressão que não iríamos demovê-lo jamais e, mais ainda, sem conseguir descobrir qual era a questão de foro íntimo alegada. Isso me deixou realmente muito preocupado com a situação e não foi diferente com as outras pessoas que participaram desta reunião.

Esse período foi muito conturbado para todos nós. Mas, eu e a minha esposa, sentimos ainda mais as consequências deste episódio. Foram dias tenebrosos, em que não se encontrava explicação para tudo o que estava acontecendo. Estava difícil de processar tudo aquilo.  Quando estava tentando processar essa história toda, alguém procurou a mim e a minha esposa para relatar um caso, que, se confirmado, tinha ingredientes suficientes para causar uma hecatombe, embora o caso não envolvesse as irmãs que estavam sendo dispensadas. De tão assustadoras que eram as coisas que nos foram narradas, vimos que seria difícil processar sozinhos. Então, eu e minha esposa decidimos por envolver mais um casal na história. Com isso, em tese, apenas seis pessoas tinham conhecimento daquilo que nos foi narrado: eu, minha esposa, o casal da Pastoral Familiar, que envolvemos, e o casal que nos narrou o ocorrido. Como o casal que nos narrou o caso, preferiu, por enquanto, não aparecer na história, eu, a minha esposa e o casal da Pastoral tomamos a decisão do que fazer. Decidimos que precisávamos falar com o Arcebispo, ainda naquele dia, para pedir uma luz, a ele, de como agir diante da situação. Marcamos às dezessete horas, em frente a cúria, para esperá-lo, já que o Dom estava em uma cidade vizinha e a previsão de retorno era a partir desse horário. Ficamos plantados na rua, em frente à casa do bispo, até as nove da noite, quando ele chegou e nos recebeu. Então, o nosso movimento, que se iniciou com o objetivo de reverter a decisão que estava fazendo com que perdêssemos as irmãs, ganhou um ingrediente mais dramático, pois tínhamos, então, uma bomba nas mãos. Até hoje, os fiéis não sabem as coisas que nos foram narradas, pois decidimos que revelar aos fiéis somente iria fazer mal à nossa paróquia e, por consequência, à nossa Igreja. Não sei se um dia todos ficarão sabendo. Pensamos direitinho e decidimos que tudo deveria ficar lá no fundo. Até porque, em função de ser um assunto que estava nos consumindo demais, decidimos por não remexer naquilo. Preferimos tentar colocar uma pedra sobre o assunto. Se estou contando isso, aqui, é porque me propus a narrar os desafios vividos nesses dez anos de caminhada para implantar o INOVAR.

Paralelamente às nossas ações, em contatos com o Arcebispo, que foram vários neste período, um grupo grande de fiéis de várias comunidades articulou uma reunião para discutir a situação. Eu e a minha esposa fomos convidados, assim como o segundo casal que envolvemos. Nesta reunião, discutiu-se vários aspectos, sempre com a perspectiva de reverter a situação das irmãs. Ao final, decidiu-se por marcar uma reunião do grupo todo com o Arcebispo. Nesta ocasião, não sei por que, a maioria dos presentes me pediu para assumir o comando informal do grupo e ser o porta-voz deles junto ao Arcebispo. Isso me colocou numa saia justa, pois apenas duas pessoas naquela reunião sabiam que estávamos em contato com o Dom, tratando de um assunto correlato, mas que tratávamos em segredo. Como ninguém sabia, não era possível dizer a eles que não aceitaria ser o porta-voz do grupo, pois, desta forma, teria que expor os motivos e não podia revelar o que acontecia concomitantemente. Então, não sobrou outra saída, para mim, senão a de aceitar ser o porta-voz daquele povo durante a reunião com o Bispo. Esta reunião com o comandante da nossa arquidiocese serviu basicamente para todos reclamarem da forma como o pároco conduzia a paróquia e todos esperavam que, ao saber como a nossa paróquia era conduzida, fosse possível reverter a decisão que estava culminando com a saída das freiras. A reunião foi tensa, inclusive algumas pessoas presentes chegaram a ser descorteses com o nosso bispo, chegando à raia da falta de respeito com ele. A autoridade arquidiocesana, também, não foi muito receptiva aos argumentos. Resultado: as freiras foram embora e não foi possível reverter o quadro. Disse, anteriormente, que eu e a minha esposa sentimos mais as consequências deste episódio porque, quem via de fora, tinha a nítida impressão de que estávamos tomando medidas sozinhos, comandando uma multidão, sobretudo de jovens, contra a situação colocada, sendo que, o que estávamos fazendo era apenas catalisando um desejo dos jovens e atendendo a uma solicitação de um grupo que me queria porta-voz deles, o que fora impossível recusar. Na verdade, mesmo, estávamos numa cruzada para minimizar os danos que tudo aquilo iria causar à nossa paróquia.

O fato importante é que foi um grande baque para todos. Como acompanhávamos mais amiúde os jovens, percebemos o quanto este episódio foi prejudicial à juventude. O pior era que, de imediato, não seria possível fazer nada para melhorar aquela situação. A única coisa que me ocorreu, naquele momento, foi fazer uma carta aberta aos jovens. Essa carta foi escrita no calor dos acontecimentos, inclusive com alguns erros de português, e distribuída a todos os jovens com que tinha contato, para todos os componentes da Pastoral Familiar e ao pároco. Apesar de um pouco extensa, é bom que se reproduza, aqui, para todos entenderem um pouco da nossa aflição com relação à perseverança dos jovens. Disfarcei os nomes das pessoas citadas, pois não é intenção fulanizar os problemas.

Caro Jovem.
Em função dos últimos acontecimentos em nossa paróquia, percebemos através das redes sociais várias manifestações e, por isso, gostaríamos de colocar algumas palavras a todos vocês, pedindo que todos leiam estas linhas como uma mensagem que um pai e uma mãe mandam a seus filhos. Pedimos também que leiam o texto todo, pois algumas frases escritas aqui, fora do contexto, podem dar a entender alguma coisa que não estamos querendo dizer. Sabemos que é um texto longo, mas, é preciso que o leiam inteiro.
Queridos,
Escolhas feitas por pessoas que não têm noção da dimensão das coisas que as cerca, levaram pessoas que não conhecem o pulsar das comunidades, a tomar a decisão de retirar, de forma abrupta e traumática, um dos pilares da caminhada pastoral em nossa paróquia. Sim. Estamos falando das Irmãs da Sagrada Família que acabaram por nos deixar. A congregação dessas irmãs está nos deixando de forma definitiva.
Como muitos de vocês estão dizendo nas redes sociais, “estou de luto”, também nós estamos de luto. Mais que isso, estamos sangrando, pois estamos perdendo uma parte importante de nosso corpo. Será muito difícil, daqui pra frente, saber que essas mulheres iluminadas não estarão mais à nossa disposição para nos guiar nos nossos descaminhos espirituais. Isso é como perder um membro do corpo, que sai e deixa sangrando o local de onde o membro foi arrancado. Temos certeza que muitos de vocês estão sentindo uma insegurança muito grande ao saber que não terão mais a Irmã Xis a orientá-los e animá-los para a caminhada com Cristo.
Diante de tudo isso é necessária muita fé para continuar caminhando no cristianismo, sobretudo no catolicismo. Entretanto, não podemos deixar de ter em perspectiva que a nossa igreja, Igreja Católica Apostólica Romana, foi criada por Jesus Cristo. Tendo isso em perspectiva precisamos fazer algumas reflexões sobre tudo o que estamos passando.

1.     A Igreja somos nós
As pessoas que fizeram a escolha e as que tomaram a decisão que nos levou as irmãs, não representam, em absoluto, a nossa Igreja, já que a Igreja somos nós e não só eles. Todos que fomos batizados, somos uma célula que faz nossa Igreja seguir sua caminhada. Infelizmente algumas pessoas que cuidam da administração da nossa Igreja não estão conectadas com a comunidade. Lá em cima o Papa Francisco tem tocado nesse tema em várias ocasiões, cobrando uma maior aproximação entre os clérigos e os fiéis, mas para essa oxigenação chegar até aqui embaixo, vai demorar um pouco. Se começar agora, é possível que dure uma geração toda para essas mudanças atingir a Igreja até os rincões mais distantes, como o nosso pequeno torrão. Basta ver o que aconteceu com o Concílio do Vaticano II, que deu uma batida forte no pó que existia na nossa Igreja Católica e só agora, cinquenta anos depois, sentimos seus efeitos mais de perto.
Assim, devemos ter a consciência que a Igreja que seguimos foi fundada por Jesus Cristo, mas Ele mesmo a deixou nas mãos dos homens. Isso faz com que, às vezes, nossas lideranças desvirtuem um pouco os planos traçados pelo criador de nossa Igreja, não a conduzindo da maneira que Cristo pensou. Esses desvios, então, lhe conferem a característica de ser, como todos sabemos, “Santa e Pecadora”. Santa na sua criação e pecadora nas atitudes de algumas lideranças.
Essa consciência deve nos levar a uma defesa firme da Igreja que queremos e esta defesa deve desencadear um caminhar mais firme em direção à salvação que Deus nos disponibiliza através de seu filho Jesus. Para isso é necessário não deixar que escolhas e decisões tomadas por pessoas que administram nossa Igreja, determinem se, como e quando eu vou seguir uma religião, frequentar uma Igreja e pertencer a uma comunidade. Queremos dizer com isso, que devemos ter uma religião, frequentar uma Igreja e pertencer a uma comunidade pelos valores que tudo isso representa, não porque tem esse ou aquele dirigente. Os dirigentes passam e nós ficamos. Mais que isso, nós passamos e nossa Igreja fica. Aliás, é por isso que devemos lutar: para que nossa Igreja seja eterna, como Cristo queria.
2.     Será possível substituir as Irmãs que estão partindo?
Claro que não. Sempre que alguém da família parte, não conseguimos substituir essa pessoa. Entretanto, com o tempo, a falta se transforma numa saudade gostosa da pessoa que partiu, até que a família se junte novamente, através de uma visita, um passeio, uma viagem, enfim.
Mas, no caso das irmãs, especialmente a Irmã Xix, o que precisamos fazer é, não esquecer tudo o que elas fizeram nesses anos todos. Uma maneira de homenageá-las de forma definitiva é manter vivo o desejo delas de ver a nossa comunidade vibrante, atuando para o bem estar nosso e de todos, não deixando de levar a mensagem de Cristo e vivendo seu evangelho com alegria e muita simplicidade, assim como elas sempre fizeram.
Possivelmente a direção da nossa paróquia vai tentar substituir as irmãs que se foram. Talvez determinando outra freira para tentar substituir a Irmã Xis no trabalho que ela fazia com os jovens. Precisamos lembrar que qualquer pessoa que for escalada para tentar substituir a Irmã Xix, não tem nenhuma culpa das possíveis decisões erradas tomadas por outras pessoas. O que é preciso fazer, se isso acontecer, é não recusar a ajuda de quem quer que seja. Assim, até pode ser possível começar a construir uma nova relação e que daqui a alguns anos podemos estar sangrando de novo pela despedida, mas se não nos deixarmos envolver com as pessoas, não teremos por quem chorar um dia.
Portanto, queridos, é preciso enxugar as lágrimas, guardar as saudades e lembrar que temos uma Igreja para manter de pé e que está totalmente dependente de cada um de nós, pois se engana quem imagina que a Igreja depende de padres ou freiras. Essas pessoas passam, como já passaram tantas por essas plagas, algumas a gente chora, outras a gente acha que fizeram um bem à comunidade ao partir, mas o fato é que todos passam e a comunidade deve estar sempre viva. Então, caros jovens, se não fizermos a nossa parte, um dia poderemos ser cobrados por isso.

3.          E o que podemos fazer?
Certa vez um grande Presidente Norte-Americano disse em seu discurso de posse “Não perguntem o que o seu país pode fazer por você, mas pergunte-se o que você pode fazer pelo seu país”. Gostaríamos de adaptar estas palavras à situação atual: “Não perguntem o que a sua Igreja pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pela sua Igreja”.
Olhem ao seu redor e observem a realidade em que você vive. Quanto é preciso fazer para que todos tenham contato com o evangelho de Jesus Cristo. Quanto que o mundo está precisando de bons exemplos, que só você é capaz de dar. Não pensem que é necessário fazer grandes coisas para atingir o objetivo que Cristo espera de nós. Comece por não abandonar as celebrações de sua comunidade. Frequente a missa ou culto, de preferência uma vez por semana. Se sentir necessidade de fazer mais coisas, sua comunidade deve ter um grupo de jovens formado e em atividade. Caso não tenha, crie um grupo de jovens na sua comunidade ou participe em outra, mas não deixe de procurar um grupo e participar pra valer. Faça valer a vontade da Irmã Xix. Entre em contato com a PJ, acompanhe suas atividades. Não deixe ninguém escrever sua história por você, seja o protagonista dela.
Junto a tudo isso, fiquem ligados que estão sendo colocadas à disposição muitas opções que envolvem jovens de todas as comunidades.
III ENFIR – 3º ENCONTRO DE NAMORADOS FIRMES
Se você está namorando firme com alguém, já estão abertas as inscrições para o III ENFIR. Será realizado em 08 de Março. Entre em contato com a pastoral familiar para fazer a inscrição.
III RENOVAR
Nos dias 03 e 04 de maio será realizado o III RENOVAR. Este encontro é aberto a todos os que fizeram o INOVAR. Este ano terá várias novidades. Nos próximos dias todos os inovaristas receberão informações. Não deixe de participar.

VII INOVAR
Nos dias 01, 02 e 03 de agosto acontecerá o VII INOVAR. Já vai conversando com os amigos da sua comunidade que ainda não fizeram o INOVAR para quando as inscrições forem abertas eles se inscreverem.
Além disso, várias outras atividades da paróquia estão abertas aos jovens. Não deixem de participar.

4.     Pra finalizar
A Congregação da Sagrada Família de Nazaré está indo embora, levando as Irmãs X, X, X e X. Mulheres que vão fazer muita falta para todos nós. Mas vamos recolher os cacos e em nossas orações pedir duas coisas muito importantes para toda a comunidade: vamos pedir para que Deus ilumine as pessoas que tomaram a decisão de tirar as irmãs de nosso convívio, a fim de que essas pessoas, no futuro, quando fizerem escolhas ou tomarem decisões, procure escutar primeiro aqueles que serão atingidos pelas escolhas e decisões. Outra intenção que deve ter nossas orações é que as irmãs sejam felizes para onde estão indo e que consiga fazer lá um trabalho tão bonito como o que foi feito aqui. Além disso, precisamos torcer para que os jovens de lá possam amar a Irmã Xix com a mesma intensidade que todos nós amamos e entendam logo o privilégio que é conviver com pessoa tão especial.
Lembrem-se a vida na nossa Igreja está em nossas mãos.
Um beijo em todos vocês.
JONAS E CLEIDE (PAI E MÃE)

Essa carta, para os jovens, fez o efeito esperado, porém, para muitos adultos, fez efeito contrário ao que queríamos. Mas, era o melhor que podíamos fazer naquele momento, por isso decidimos correr o risco de enfrentar alguns dissabores para tentar não deixar os jovens desanimarem na sua caminhada. Infelizmente, o trabalho que aquelas religiosas faziam nas comunidades foi desarticulado e algumas iniciativas que surgiam, aqui e ali, com o acompanhamento das freiras que foram embora, foram descontinuadas ou ganharam outro ritmo.


A PASTORAL FAMILIAR E O INOVAR


A Pastoral Familiar é organizada em três setores: Pré-matrimônio, Pós-matrimônio e Casos Especiais. Cada um deles trabalha com problemas específicos e, por óbvio, com público diferente. Essa estrutura está definida em um Documento da CNBB, chamado “Diretório da Pastoral Familiar”. Então, quando uma paróquia implanta essa pastoral deve seguir aquela estrutura. Entretanto, nem sempre acontece isso, seja por falta de pessoal o suficiente, seja por falta de preparação dos componentes ou por outro motivo qualquer.

Na nossa paróquia, talvez, também, em muitas outras, a escassez de membros na pastoral impede a formalização, organizadamente, desses três setores e, até, de preparar pessoas para atender a essa estrutura. O que fazemos, então, é tentar atuar junto à família, executando as atividades de cada um dos setores, sem, contudo, tê-los formalmente separados. Dessa forma, todos os membros da Pastoral Familiar agem em todas atividades desenvolvidas pela pastoral, transitando por todos os setores. Pelo menos deveriam agir assim.

O setor Pré Matrimonial, que cuida da preparação de pessoas que formarão uma família, está dividido em dois subsetores: preparação imediata e preparação remota, uma destinada às pessoas que já estão com o casamento marcado, normalmente na modalidade “Curso de Noivos”, ou mesmo a preparação de casais que já vivem juntos e vão celebrar o sacramento do matrimônio para regularizar sua situação diante da Igreja, o que normalmente é chamado de Casamento Comunitário.

Outra forma de capacitar as pessoas que vão formar uma família, é a preparação remota. Esta modalidade é dirigida aos adolescentes e jovens que, mesmo sem ter o casamento marcado, ou mesmo sem estar namorando, devem receber uma formação de modo que tenham noção do que seja uma família com valores religiosos sólidos e necessários para uma convivência harmoniosa e profícua.

Foi nesse contexto, então, que surgiu o INOVAR, dando uma ênfase toda especial à família, fazendo os jovens que o frequentam sentirem a importância de se ter uma família bem estruturada, onde todos os membros busquem se inspirar nos componentes da Sagrada Família de Nazaré.

A NECESSIDADE DE ATENDER NAMORADOS
Como o INOVAR é um encontro que atende jovens de quatorze a vinte e cinco anos, é normal que surjam, nesse ambiente, casais de namorados, seja em namoricos sem compromissos ou relacionamentos mais sérios. Vários casais que nasceram nestas circunstâncias, já se casaram e, hoje, formam as próprias famílias. Surgiu, então, ao longo do percurso, a necessidade de criar-se alguma coisa para atender, também, aos casais de namorados. Depois, então, de o INOVAR estar consolidado, pensou-se na criação do ENFIR, sigla de Encontro de Namorados Firmes, destinado àqueles casais de namorados que estão namorando firmes, assim definidos aqueles casais que estão “se curtindo” e já ultrapassaram a fase do “ficando”, mesmo que não tenham, ainda, a intenção de se casarem. Esse encontro é bastante leve e acontece a cada dois ou três meses, numa tarde que, em datas especiais, acaba com um jantar romântico para os namorados. A cada vez em que os casais se encontram, é tratado de um tema importante para o relacionamento deles e, com isso, faz-se um “curso de noivo”, extensivamente.

Logo, o INOVAR sempre foi tratado por nós como uma atividade incluída na Pastoral Familiar, setor Pré Matrimonial, subsetor Preparação Remota. Assim, se esperava que todos os membros da Pastoral se envolvessem de forma efetiva no encontro, mas, infelizmente não foi o que aconteceu. A Pastoral Familiar não se envolveu, como se esperava, para um evento de tamanha importância. Para se ter uma ideia dessa falta de envolvimento, no primeiro encontro, havia apenas uma pessoa encarregada de fazer a limpeza de todos os ambientes utilizados durante o evento. Além de mim e da minha esposa, apenas esta pessoa da Pastoral Familiar permaneceu todo o tempo no encontro. Todas as outras pessoas da Pastoral Familiar, ou nem compareceram, ou ficaram por lá apenas por pequenos períodos. Não fossem pessoas de outras pastorais, o primeiro INOVAR não teria acontecido. Nas demais edições, também, não foi diferente; a participação da Pastoral Familiar foi muito inexpressiva. Nas primeiras edições, as atividades da cozinha foram entregues a uma equipe formada por uma Ministra Extraordinária da Eucaristia, que nos proporcionou ajuda inestimável. Mas o primeiro foi aquele em que mais sofremos a falta de apoio da Pastoral, pois, como já foi dito, foi uma dificuldade muito grande para montar a equipe de trabalho, já que os jovens necessários para isso não existiam. A partir do segundo encontro, mudou um pouco a situação, pois os jovens que fizeram o primeiro INOVAR estavam à disposição para trabalhar e, assim, a presença de adultos se tornou necessária em apenas uma equipe. Em todas as outras, os jovens deram conta do recado. Infelizmente, até hoje, a situação não mudou muito. Nem todos os membros da Pastoral Familiar se envolvem para valer no encontro.

Terminado o primeiro encontro, convocamos uma reunião da Pastoral Familiar para fazer uma avaliação da participação dos membros no evento. Nesta reunião, como sempre fazemos, tentamos desenvolver uma avaliação realista e, claro, mencionamos o fato do pouco envolvimento dos membros da Pastoral. Neste ponto, ouvi uma fala de um dos membros da Pastoral Familiar que me deixou bastante desconcertado. Disse aquela pessoa: “Como você pode falar em falta de envolvimento da Pastoral Familiar, se você sempre fez tudo em seu próprio nome e não envolveu o nome da Pastoral em momento algum”. Esse comentário me deixou triste, porque não era, em absoluto, a verdade, pois em momento nenhum deixei de mencionar que aquele trabalho que iniciávamos era uma atividade da Pastoral Familiar.

Na verdade, a pessoa que fez este comentário, o fez porque não acompanhou o processo de montagem do primeiro INOVAR, pois se tivesse acompanhado, teria percebido que, no início da montagem, sempre me comunicava com as pessoas em nome coletivo, já que não se tinha acertado as pessoas que iriam dirigir o encontro. Nesta fase, qualquer comunicação era feita em nome da Pastoral Familiar. Quando ficou definido que o coordenador adulto seria eu, toda a comunicação era feita em meu nome, como coordenador do encontro. Não poderia ser diferente, já que seria necessário publicar essa condição para que as outras pessoas pudessem saber com quem conversar sobre os assuntos relativos ao INOVAR. As pessoas precisavam, por exemplo, saber quem estava lhes pedindo recursos para o encontro, por isso me comunicava com as pessoas informando o meu nome, que era uma forma de informá-las que estava responsável pelo evento. Isso fez aquela pessoa pensar que estava desenvolvendo um evento deste tamanho em meu nome e não em nome da Pastoral Familiar e, mais; não em nome da Paróquia. Que fique registrado, porém, que, mesmo com o pouco envolvimento dos membros da Pastoral, jamais deixei de mencionar que esse trabalho é feito em nome da Pastoral Familiar. Nem poderia ser diferente, pois não pensamos em montar um serviço que fosse dependente de uma pessoa. A ideia sempre foi criar um serviço que permanecesse na paróquia, mesmo quando a gente, por algum motivo, o deixasse. Tanto é assim que, agora, na realização da décima edição do INOVAR, entregamos aos jovens a responsabilidade pelo encontro. Eu e a minha esposa ficamos por perto, apenas com o propósito de assessorar os jovens e permanecer nessa condição enquanto esta nossa assessoria for necessária. Quando os jovens acharem que a nossa assessoria não é mais necessária, vamos pedir a eles uma outra maneira de participar.

Com relação à Pastoral Familiar, continuaremos a participar até que nos deixem. Ali, estamos tocando o ENFIR – Encontro de Namorados Firmes, e sempre nos colocando à disposição para ajudar nas outras atividades que a Pastoral desenvolve. Embora, nessas outras atividades de que participamos, procuramos não assumir qualquer papel de comando, pois o trabalho com os jovens já nos consome mais tempo do que temos disponível.




SITUAÇÕES LIMITES


Quando foi colocado no projeto do INOVAR a necessidade de existir um padre residente no encontro, primeiro, pensava-se numa qualidade que deveria ser inerente aos padres: a sua capacidade de ouvir e de aconselhar as pessoas quando elas se sentem fracas ou sentem a sua fé abalada. Essa característica do sacerdote é tão importante na condução de um grupo de fiéis, que seria natural o mesmo comportamento durante um encontro em que vários jovens estão, ali, de coração aberto, para repensar a sua trajetória e predispostos a rever muitos posicionamentos havidos até esse ponto.

A visão que se tem da possibilidade de um sacerdote atender a esta necessidade, tem raiz na própria história da nossa Igreja. Desde sempre, era um padre que resolvia os maiores conflitos existentes entre os fiéis e, com isso, os padres eram requeridos, também, para resolver os conflitos internos de cada um, sobretudo pela sua condição de confessor, já que, em tese, ao oferecer o sacramento da penitência, o padre toma contato com todos os problemas do penitente.

Junte-se a isso a necessidade, que sempre aparece, de disponibilizar a todos os presentes o sacramento da penitência. Essa necessidade aparece, às vezes, muito mais na equipe de trabalho do que nos jovens que estão fazendo o encontro. Ninguém tem noção da pressão que é coordenar um encontro desses, comandar uma equipe de trabalho ou mesmo ministrar uma palestra. Essa pressão, não raro, pode se transformar num sentimento de incapacidade e de impotência, de tal forma, que só um reforço espiritual pode nos tirar desta enrascada.

Apesar de a gente se preparar durante um ano inteiro para enfrentar os obstáculos que um evento deste tamanho apresenta, ainda assim, aparecem momentos para os quais não estamos preparados. São situações onde somos testados até os nossos limites. Nessas horas, seria muito interessante ter um reforço de alguém que tenha mais estofo espiritual. Lógico que, quando nos deparamos com essas situações, recorremos à capela, onde se encontra o santíssimo e, assim, ganhamos uma força extra para suportar.

Entretanto, seria bom ter alguém que pudesse “intermediar” esse encontro que fazemos com o divino e, assim, tirar um pouco do peso que carregamos e que, às vezes, nos deixa tão esgotados ao final da ocorrência. Já se disse, por aí, que vários são os jovens que estão presentes no encontro sem querer estar ali. Diz-se, também, que, mesmo os que não queriam ir ao encontro, não foram obrigados, ou seja, concordaram em ir. Mas, o fato é que muitos estão no encontro a contragosto e isso já é um fator desestabilizador dos participantes. Para segurar esses jovens até o final do encontro é necessário um desdobramento da equipe, bem maior daquele que seria requerido se todos estivessem ali por vontade própria. Então, isso, normalmente, gera uma demanda muito grande de atendimentos, que requer uma sensibilidade enorme para lidar com cada uma das situações.

Às vezes, somos colocados diante de situações que, de repente, a gente se pergunta como é que vamos enfrentá-las. Nestas ocasiões, damos conta da situação apenas porque estamos ao lado do Todo Poderoso. São situações limites que nos são apresentadas. Gostaria de narrar apenas três, aqui, para que todos possam entender do que estou falando.

GAVETA 1 – O Pai Assassinado

Numa edição do encontro, recebemos uma garota que havia acabado de perder o pai, que morrera assassinado de forma brutal e inexplicável. De repente, estávamos, ali, participando de um encontro onde cada um carrega os seus traumas, os seus fantasmas e as suas expectativas, entretanto, dentre aqueles jovens, uma vivia um drama muito mais delicado. Aquela moça não tinha ainda processado a morte estúpida do seu pai. É natural, nessas condições, que a pessoa troque de mal com Deus, pois somente este teria o poder de impedir aquela tragédia e “Deus não fez nada para evitar”, segundo a cabecinha de uma menina de treze anos.

Quem tem a capacidade para explicar a uma jovem, de treze anos, tão revoltada com aquele drama, que Deus não deixou o seu pai morrer para puni-la? É preciso ter muito mais do que uma formação de livros de autoajuda, ou uma coleção de frases prontas, que se lança mão a torto e a direito. É necessário ter uma formação sólida nas coisas da religião para ter argumentos o suficiente, a fim de demover uma jovem dessas da ideia de que, mesmo em situações como esta, não devemos virar as costas para Deus. Ao contrário, é nessas situações que devemos nos apegar mais ainda a Ele, senão não tem solução.

GAVETA 2 – Duas irmãs e um drama

Quando estávamos preparando um dos encontros, na época em que ainda fazíamos as visitas na residência dos inscritos, fui a uma determinada casa onde estavam inscritas, daquele endereço, duas jovens. Esta visita para mim era bem produtiva, pois em um único endereço visitaria dois jovens e, assim, a lista de visitas diminuiria mais do que quando havia apenas um inscrito do local visitado. Isso significava trabalho a menos.
Não esperava, entretanto, encontrar uma família tão dilacerada como encontrei. A menos de trinta dias daquela visita, o irmão das duas moças havia sido assassinado de forma terrível. O rapaz saiu, num sábado qualquer, para aproveitar a noite, assim como o fazia tantas vezes, mas não voltou. Não se sabe por qual motivo, numa balada qualquer, o garoto foi envenenado e faleceu. Ou seja, o garoto saiu para uma balada e voltou num caixão.

Quando me deparei com a aquela situação, admirei a postura da mãe das meninas, que fez questão que as suas filhas fossem participar do encontro, deixando-as passar três dias fora de casa, mostrando um desprendimento bastante razoável, pois seria aceitável que uma mãe, em situação como esta, não deixasse seus filhos passarem sequer uma noite fora. Esta mãe não só deixou como forçou um pouco a barra para que as duas filhas fossem fazer aquele encontro.

Saí daquela visita com uma boa impressão daquela família, mas certo de que poderia ter problemas com aquelas duas meninas, uma de dezesseis e outra de dezoito anos. Percebi que elas estavam bastante fragilizadas com o acontecimento e não podia ser diferente. Aquele INOVAR transcorria, normalmente, quando, num determinado momento, uma das meninas, a mais nova, chegou para mim e me pediu para ir embora, dizendo que não queria mais ficar no encontro. Lembro-me que chamei aquela menina para um canto, sentamos no chão, eu e ela, encostados numa parede, e ficamos, ali, conversando por quase uma hora, enquanto o encontro foi se desenrolando normalmente. Percebi que ela estava com um misto de sentimentos tão difíceis de processar que a angústia era patente em suas falas. Sabia que ela estava sentindo, naquele momento, muita falta do seu irmão, recém falecido, e da sua mãe, que havia ficado lá fora, e isso a angustiava muito. Confesso que só consegui forças para tratar daquela situação porque Deus é muito bondoso comigo e com os jovens. Se não fosse a ajuda Dele, não teria conseguido fazer aquela menina ficar no encontro até o final e ela teria ido embora, com aquelas confusões todas em sua cabeça, o que poderia ter sido muito prejudicial para ela. Que falta fez um padre naquele momento, para ela e para mim, pois, ao final da conversa que tive com aquela menina, estava exaurido. Parecia que tinha lutado com um leão, tamanho foi o stress do momento. Ao final dessa conversa, passamos na capela, recebemos uma oração daquela equipe maravilhosa e tocamos o barco. Mas foi difícil.

GAVETA 3 – O Pai que foi pro Céu

Quando se inicia o INOVAR, o que se espera é que ele transcorra sem nenhuma intercorrência externa que possa influenciar de forma definitiva o encontro. As ocorrências externas que podem ter influência no desenrolar do evento, normalmente têm a ver com a saúde dos familiares de algum participante, sobretudo se se tratar do falecimento de um parente de algum dos participantes do encontro.

Numa edição do encontro, na sexta-feira, à noite, recebemos a notícia de que o pai de um dos “inovaristas” tinha sofrido um acidente no interior do Estado e estava na UTI de um hospital da capital. Em casos assim, a gente sempre procura saber o que a família quer que a gente faça. Entramos em contato com a família para que ela nos informasse como deveríamos agir. De repente, eles poderiam querer enviar algum membro da família para dar a notícia. Neste caso, a família nos informou que não desse a notícia ainda, e que aguardássemos instruções. Assim procedemos. No sábado, pela manhã, tivemos a notícia de que o pai daquele jovem havia falecido e a mãe do menino estava vindo ao encontro para dar a notícia pessoalmente.

Quando a mãe chegou, fui até a sala onde o jovem estava e o conduzi até onde seria o encontro entre os dois. Me afastei e fiquei por perto, apenas para ser acionado se fosse preciso. Foi um encontro tenso, não ouvi o que eles conversaram, mas, a certo tempo eles se abraçaram e choraram muito. Depois do impacto da notícia e de muito choro, numa cena daquelas que daríamos tudo para não assistir, os dois, mãe e filho, vieram em minha direção. Eu o abracei chorei um pouco, também, pela situação e, no meio daquela torrente de emoções, disse ao jovem para ele sair com a sua mãe e fazer o que tivesse que ser feito, resolvesse o que tivesse que ser resolvido. Falei, assim, em frases meio codificadas, porque não sabia se a mãe tinha comunicado a morte do pai, ou se havia contemporizado alguma coisa. Em todo caso, falei daquela forma para que o jovem fizesse o que fosse necessário e depois decidisse. Se optasse por voltar ao encontro, o estaríamos esperando. Caso contrário, podia ficar à vontade para não voltar. Normalmente, quem sai do encontro, por qualquer motivo, não tem permissão para retornar. Desta forma, a gente evita que pessoas, que não possam ficar todo o tempo, façam o encontro de forma truncada. Mas, estávamos diante de uma situação especialíssima. Não tinha outra coisa a fazer senão autorizar que aquele menino fosse enterrar o pai, dando-lhe a opção de retornar ao encontro.

Quando o menino saiu, tinha certeza de que era isso que ele deveria fazer, mas pensei, no meu íntimo, que ele não voltaria mais. Entretanto, num gesto que, até hoje, reputo ter sido um grande milagre daquele encontro, o menino voltou, no sábado mesmo, logo após ter acontecido o sepultamento de seu pai.

Falando assim, fica parecendo que a gente está dando mais importância ao encontro do que à dor que aquela família estava sentindo. Mas, eu não enxergo desta forma, pois fico imaginando que o suporte que aquele menino conseguiu no encontro, naquele momento tão crucial da sua vida, foi determinante para que ele processasse bem a perda do pai, que ocorrera de forma tão abrupta e prematura.

Aquele sábado em que o pai de um “inovarista” faleceu, em razão de um acidente de moto, enquanto fazia uma trilha rural, foi marcante naquele encontro. Sobretudo na cerimônia, ao final do dia, onde aos jovens é oferecida uma oportunidade para que eles peçam perdão das coisas das quais se arrependem e, via de regra, eles pedem perdão por coisas que fizeram aos seus pais. Isso marcou profundamente a todos nós.
Essas três gavetas, dentre tantas outras situações limites que enfrentamos, dão a noção do quanto seria importante ter uma pessoa mais forte espiritualmente durante todo o transcorrer do encontro. Entretanto, isso não é possível e temos que nos conformar com o que temos.




O COMBUSTÍVEL



Trabalhos, como esse que estamos desenvolvendo na paróquia, trazem um conforto muito grande para a gente. Sobretudo, o conforto por estarmos fazendo a nossa parte para que a prática religiosa seja mais efetiva, para que a nossa Igreja seja melhor entendida pelas pessoas e, em última análise, para tornar a sociedade melhor. Este sentimento é uma concepção que, humildemente, trazemos em nosso íntimo. Não é preciso que outras pessoas venham nos falar, pois temos consciência de que estamos cumprindo com este papel. Saber que estamos dando uma contribuição para melhorar as perspectivas do viver para os filhos de tantas famílias é como se estivéssemos fazendo isso para os nossos filhos. Na verdade, me sinto como se fosse pai desses jovens todos que passaram pelo INOVAR, nesses dez anos.

E o mais emocionante é que a recíproca parece que é rigorosamente verdadeira, pois a demonstração de carinho que a gente recebe de cada um deles é algo inenarrável. Aliás, até a maneira como esses jovens nos tratam demonstra a intensidade desse relacionamento. Todos eles nos chamam de “pai” e “mãe”, a mim e a minha esposa. Esse tratamento teve início desde o primeiro encontro, quando eles perceberam que eu e a minha esposa nos tratávamos por “pai” e “mãe”, daí eles começaram a me chamar de pai, assim como a minha esposa, a chamá-la de mãe, como eu a tratava.

Pensava que esta era apenas uma maneira de eles nos chamarem, até que, num determinado ano, por falta de outra data, fomos obrigados a realizar o INOVAR no final de semana do dia dos pais. Relutamos muito para usar esta data, mas não houve outro jeito e cometemos o desatino de afastar os filhos dos pais exatamente no final de semana em que se comemora o seu dia. Durante esse encontro, percebi que os jovens não me chamavam de pai simplesmente porque a minha esposa me tratava assim. Percebi que, de certa maneira, eles me consideravam mesmo como se fosse um segundo pai para eles. Pelo fato de eles estarem longe dos seus pais, naquele dia, tive o prazer de receber várias manifestações de afeto que só os pais têm o privilégio de receber dos seus filhos e que, naquele momento, eles gostariam de dirigir aos seus pais. Muitas manifestações foram expressas por meio de fortes abraços que recebia, outras foram escritas e entregues como se me dessem um presente, que de fato o era. Vou ter a ousadia de reproduzir, aqui, esclarecendo que trouxe as mensagens da forma que foram escritas e, no calor da emoção, os jovens podem ter cometido um ou outro erro de português, por isso vai um SIC para todos os escritos. Embora não cite os nomes, quem as escreveu saberá e espero que não se importe.

“Jonas, não sou de muitas palavras, mas pedi a ajuda do nosso Pai para escrever-lhe este recado. Agradeço a Deus por ele ter colocado pessoas maravilhosas na minha vida, e uma dessas é o senhor, obrigada por tudo o que o senhor faz pela minha vida e pela vida dos jovens. Às vezes você fala firme com a gente, mas eu sei que não é por mal. Eu agradeço por esta oportunidade, pelo senhor ter acreditado em mim e na minha capacidade.
Eu sei que Deus derramou e derramará muitas bênçãos na sua vida, pois o senhor é uma pessoa abençoada e com certeza já é um vencedor em Cristo, nosso Senhor.
Espero de coração que o senhor continue nesta caminhada, seguindo com fé e amor e que qualquer obstáculo que aparecer, que Deus lhe dê forças para supera-lo. Nesse dia tão especial que é o dia dos pais, te desejo muita felicidade, muita paz, muito amor em Nosso Senhor Jesus Cristo. Amem. Feliz dia dos pais”.

“Pai. Obrigada por passar mais este final de semana comigo. Confesso que não estava segura com a minha Central de Dinâmicas, quando você falou para mim que iria ter reunião morcego ‘pense em uma menina que tremeu na base’, pensei que fosse brigar comigo, mas agora sei que posso até pensar em você como um cara estressado, mas agora sei que além de estressado você é amigo quando mais preciso. Quando te conheci não pensei duas vezes e aceitei você e a Cleide como meus pais. Fico sem palavras para expressar o que quero te falar, mas saiba agora que te amo demais e obrigada mais uma vez por tudo. Beijos e um abraço fraterno de sua filha”.

“Pai. Obrigada por fazer uma renovação íntima dentro de todos nós que estamos trabalhando. Que Deus possa te abençoar cada vez mais, para que você continue tendo esse espírito de pai amoroso, carinhoso e tantos outros grandes sentimentos.
Não tenho nem palavras para falar do meu sentimento por você, pois nem as mais belas palavras podem descrever o real sentimento.
Nossa mãe querida te cubra com o manto sagrado. Te amo muito. Feliz dia dos pais”.

“Jonas. A partir de hoje você terá mais setenta e seis filhos que, com toda a certeza, terão uma caminhada concreta ao lado de Cristo. Muito obrigado por mais este ano, a realização de uma maravilhosa ideia maluca, que nos proporcionou trabalhar para o outro, em função de um projeto maior: o projeto do Pai.
Falando em Pai, hoje é o seu dia. Você que se tornou o nosso grande pai. Um pai que está longe e ao mesmo tempo perto, um pai que aconselha e que sempre poderemos contar. Por isso, pai Jonas, te desejamos um Feliz dia dos Pais”.

“Mister Jonas (Pai). É com grande prazer que escrevo esta singela carta, na qual só tenho a agradecer vosso trabalho conosco. Este trabalho que você se dedica com tanta objetividade, carinho, simplicidade e respeito.
Entendo que não é fácil realizar atividades com os jovens, pois ‘nós’ (risos) somos muito inconstantes, porém sua paciência e dedicação elevadas na presença de nosso Deus transforma você em algo maior que Jonas, te transforma em “Pai”. O pai de dezenas de ´filhos’ acolhidos em teus braços, desejando conhecer a mesma pessoa que te transforma em pai: nosso Deus.
Agradeço também por ter tido a compreensão na situação e no caso de cada um, cada jovem que com suas particularidades você soube lidar e acolher ao mesmo tempo, sempre deixando-os a vontade e confortáveis para realizarem sua jornada nos caminhos de Deus.
Peço a Deus que você e a ‘mãe’ continuem trilhando os caminhos Dele e que consigam lapidar em cada jovem o melhor brilho e beleza em cada um, assim como fica o diamante bruto após ser lapidado.
Parabéns pelo seu dia e pelo terceiro INOVAR! Desejo muito sucesso, saúde e sabedoria! Obrigado! Fique com Deus!”.

“Que bom que Deus colocou você no meu caminho, pois você e o INOVAR, mudaram, ou melhor, melhoram minha vida.
Agora mais do que nunca eu acredito que Deus lhe pôs na terra para ser um pai pra todos, a sua dedicação, simplicidade e sinceridade me fez ver que não precisamos de muita coisa pra ser feliz.
E nesse dia quero te desejar muita felicidade, paz, saúde e força para que você continue nesta imensa obra que Deus te deu.
Saiba que você pode contar sempre comigo, em cada coisa que eu lhe ajudar, pode ter certeza que vai ser muito pouco, perto do que você fez pra mim.
Um grande abraço do seu amigo e filho. Feliz dia dos pais!!! Felicidade...”

“Caro Jonas. Gostaria de lhe dizer algumas palavras que resumem um pouco o que você representa para todos nós. Primeiro quero que saiba que tenho uma profunda admiração pela sua pessoa. É alguém a ser espelhado. Você é um cara de muitas conquistas e uma delas foi cativar todos esses jovens com esse espírito de ‘paizão’. Quero nesse dia dos pais te desejar toda a felicidade do mundo, que Deus possa te abençoar e te encorajar ainda mais a continuar essa missão. Parabéns!”.

O terceiro INOVAR, então, aquele realizado no dia dos pais, me mostrou, ainda mais acentuadamente, o tamanho da minha responsabilidade com esses jovens. Se todos me consideravam, em alguma porção, como um pai, e tendo sob a minha tutela um grupo muito grande, é certo que deveria me preocupar em conduzi-los pela vida afora, ou, pela vida adentro. Aquele conceito sobre ser o exemplo para os jovens, ganha, ainda, mais força nestas circunstâncias. A partir disso, percebi que a simbiose entre eu e aqueles jovens estava completa. Eu deveria me preocupar em conduzi-los, da melhor maneira possível, e eles me davam, em troca, uma rede de proteção para que eu jamais desistisse de uma vida reta e dedicada aos valores cristãos, já que, ao assumir a condição de condutor desses jovens, nunca mais poderia pensar em agir de forma que pudesse dar-lhes um mau exemplo.

O relacionamento nosso com esses jovens foi se tornando tão profícuo que os seus familiares começaram a perceber que precisavam estar mais presentes nas atividades deles e, com isso, vários pais de “inovaristas” foram se aproximando da gente e, sempre que podem, nos ajudam de alguma forma, não somente na condução dos jovens, mas, também, na realização dos encontros. Muitos desses pais também já se manifestaram sobre a importância do INOVAR para os seus filhos. Alguns se manifestam por escrito e tomo, também, a liberdade de trazê-los aqui:

“Senhor ‘Jonas’, Boa Tarde. Eu admiro muito o trabalho que o senhor faz com esses jovens. É muito importante para nós pais e nossos filhos. Muito obrigada por passar para eles conhecimentos tão importantes, fortalecendo a fé deles e a importância que tem uma família. Que Deus lhe dê muita saúde e paz para continuar a evangelizar estes jovens. Parabéns!”.

“Jonas e Cleide. Que trabalho lindo vocês estão fazendo! Quantas famílias estão sendo alvo de transformação com esse trabalho! Quantos jovens estão se voltando pra Deus após participar desses encontros! Vocês são ‘instrumentos’ que Deus utiliza para tirar jovens e famílias da escuridão. Vocês representam o meio de transformação para a busca de um mundo melhor, resgatando o ser humano, evangelizando e vivenciando a fé por meio dessas obras. Que Deus os ajude e lhes dê força para continuar, perseverar e não parar nunca com a realização do INOVAR e do RENOVAR. Com um grande abraço ...”.


Além destas mensagens, temos um baú cheio, em casa, onde guardamos uma infinidade delas, com muito cuidado, pois, como diz o título do capítulo, servem como combustível para que continuemos a nossa caminhada, olhando sempre com carinho para essa juventude que, às vezes, sinto tão perdida.

Quanto a condição que assumi de ser um “pai” para esses jovens, confesso que é um grande prazer quando os encontro e sou chamado de “pai”. Entretanto, nada me dá mais prazer do que encontrar um desses meus “filhos” em alguma atividade da Igreja, seja tocando ou cantando em uma missa, ou catequisando crianças, ou mesmo participando com seriedade de uma celebração litúrgica, afinal de contas, no fundo, é para isso que estamos nesta caminhada. Mas, é muito prazeroso vê-los, também, galgando outros degraus de suas vidas, como formando uma família, por meio do matrimônio, ou conquistando um diploma universitário. Noutro dia, tive o privilégio de ser convidado para participar das comemorações de formatura de um curso de Direito, onde estavam recebendo o grau de bacharel nada menos do que cinco “filhos” meus. Isso não tem preço. Deus é realmente muito bondoso comigo.



SÓ PARA OS CURIOSOS



É claro que um evento como o INOVAR nos oferece muitas curiosidades que, embora não sejam problemas ou grandes desafios, tampouco obstáculos, quando ocorrem causam certa apreensão, mas, depois, observados de longe, parecem mais cômicos do que trágicos. Foram tantos esses episódios que fica até difícil selecionar alguns para narrar aqui. Em todo o caso, vou tentar contar alguns fatos que, tirando o desconforto que eles causaram, são realmente hilários.

GAVETA 1 – Oficial obedecendo a Minha Esposa

Como dito anteriormente, existe, no local onde se realiza o encontro, a casa destinada à moradia de um casal. Quase sempre, a esposa é a zeladora do ambiente e o marido tem um emprego fora. Nos primeiros encontros que foram realizados, não foi diferente: havia um casal, lá, cuja esposa era a responsável por manter o local em ordem.

Numa determinada noite do encontro, me deparei com uma cena estranha: minha esposa estava falando com certa firmeza, diria que estava, mesmo, dando uma bronca num dos adultos que estava responsável por um dos dormitórios masculinos. Vi aquela cena, mas não quis interferir, só observei de longe e, quando a pessoa que levava a bronca se dirigiu ao dormitório pelo qual era responsável, é que minha esposa veio me contar o que estava acontecendo.

O marido da zeladora reclamara com a minha esposa que, até aquela hora, ninguém tinha fechado o portão de entrada do local do encontro. Ocorre que o marido não veio conversar, já chegou brigando e gerou aquele stress todo. A pessoa encarregada por um dos dormitórios masculinos, que a minha esposa estava mandando subir para o quarto, viu como o marido abordou a minha esposa e saiu em sua defesa, gerando uma discussão desnecessária. Para não tumultuar o ambiente, minha esposa teve que ser enérgica, mandando, com bastante veemência, que o nosso amigo subisse para o quarto.

Toda essa situação era desnecessária porque, em todos os encontros, sou eu quem fecha o portão, pois passo em cada um dos locais vendo se não tem nada fora do lugar, observando se não tem nenhum jovem acordado, fechando todas as portas, portões, recolhendo alguma coisa esquecida, enfim, dando uma geral para, só então, me preparar para dormir. Faço assim porque enquanto não estiverem todos deitados, não há a certeza de que ninguém mais vai sair do local do encontro. Portanto, sou sempre o último a se deitar. Enquanto estiver um de pé, não me deito.  Da mesma forma, sou o primeiro a acordar e a abrir o portão, pois, a partir das cinco da manhã, já tem gente entrando para preparar o café da manhã ou entregar o pão.

Então, aquela discussão foi estressante e desnecessária. Mas, não deixa de ser estranho ver a minha esposa, com todo aquele tamanho, apartando a briga de dois homens, inclusive dando bronca naquele que estava trabalhando no encontro, pois, segundo ela, não tinha problema outras pessoas darem vexame, nós que estávamos trabalhando é que não o podíamos.

O detalhe hilário dessa história é que o homem que estava trabalhando no INOVAR, tomando conta de um dos dormitórios, é um oficial da Polícia Militar, que, no dia-a-dia, tem um bando de homens e mulheres batendo continência para ele e, naquele episódio, estava ali na frente da minha esposa, recebendo uma reprimenda por meio de uma bronca.

GAVETA 2 – Salva por uma dentista

Tem uma pessoa que é um amor de menina. Muito meiga e de uma bondade ímpar. Muito tímida e uma profissional exemplar.  Certo dia decidiu fazer o INOVAR, já que começara a namorar um “inovarista” e tinha muitos amigos que também já tinham feito o encontro. Assim, se inscreveu numa das edições. O seu namorado, por sua vez, naquele mesmo evento, se ofereceu e foi escolhido para trabalhar na equipe da limpeza. Essa equipe é uma daquelas em que os seus componentes passam o tempo todo escondidos e só aparecem quase no final do encontro. Na sexta-feira, aquela menina meiga, que era um dengo só, compareceu na hora marcada e começou a sua participação, junto com outros sessenta e oito jovens.

No sábado, pela manhã, alguém me disse que aquela menina não queria mais ficar e estava pedindo para ir embora do encontro. Confesso que fiquei meio desesperado, pois, nas sete versões anteriores, ninguém tinha pedido para sair na manhã do sábado. Sempre pediam no sábado à tarde, quando batia o cansaço. Aquela menina estava pedindo para sair já no sábado, pela manhã.

Como sempre, cabia a mim conversar com os jovens que queriam desistir do encontro, logo, eu tinha que conversar com aquela dengosa para tentar demovê-la da ideia de desistir e tentar convencê-la a ficar até o final. Nessas horas, a gente lança mão de todos os meios válidos para o convencimento. Mas, aquela menina sabia o que queria e, naquele momento, ela queria era sair do encontro e ir embora. A alegação era uma cirurgia que havia feito na boca antes do encontro. Não sei por que, aquilo me soou como desculpa. A cirurgia acontecera, realmente, mas se estivesse tão ruim assim, ela nem teria ido ao encontro. Era possível que tivesse piorado? Claro. Mas eu não acreditei e achei que era apenas uma desculpa. Para combater aquilo que achei ser apenas uma desculpa, atuei em duas frentes, uma afetiva e outra técnica.

Como disse, o namorado dessa menina que queria nos abandonar fazia parte da equipe de trabalho do encontro, apenas não podia aparecer, por enquanto. Fui até o local em que ele se encontrava e o coloquei à par da situação e o deixei de sobreaviso, pois se eu não conseguisse demover aquela menina da ideia, ele seria acionado e apareceria, pelo menos para a namorada. Para isso, pedi que ele ficasse na capela, que estava instalada ao lado do quarto em que a namorada estava. Esse quarto era usado por nós como uma espécie de escritório e, à noite, eu e minha esposa dávamos uma descansada, dormindo, ali, por algumas horas. Levei aquela menina para esse quarto, para que ninguém visse toda a operação que estava em curso. O namorado foi, então, para a capela, mas antes, pegou uma folha de um caderno e fez um origami na forma de um pássaro e escreveu uma frase nele. Entrei no quarto onde a menina estava e entreguei a ela a dobradura. Ao ver aquela peça e ler a frase ali escrita, a menina deu uma balançada, mas não vergou, ainda estava decidida a sair. A etapa da frente afetiva foi deixada para depois, pois deixei a revelação de que o namorado dela estava na área, guardada no bolso, para depois. Mas iniciei a abordagem técnica.

Como a “desculpa” era a cirurgia odontológica que a menina havia feito na boca e isso estava sendo apresentado como o motivo para ir embora, sugeri então, que chamássemos ali um odontólogo para fazer um exame e dar uma opinião sobre um possível risco de aquela menina ficar no encontro até o domingo, à noite. A sugestão foi aceita e parti para trazer um profissional da saúde para o encontro. A minha nora é odontóloga e, claro que ao sugerir aquilo, estava contando com isso, mesmo sem consultá-la com antecedência. Conversei com a minha nora e, de pronto, ela atendeu ao meu pedido, chegando o mais rápido que pode, já que era um sábado, de manhã, e ela não estava preparada para sair de casa, ainda mais deixando a minha netinha recém-nascida com o pai. Ainda, com a eficiência de sempre, ela já passou numa farmácia para levar algum medicamento que pudesse ser necessário.

A dentista chegou, examinou a cirurgia, constatou que o ponto que havia sido dado na boca da menina estava normal e não haveria problema de ela ficar por lá até o domingo, à noite. Deixou um medicamento para combater uma possível dor e foi-se embora, com a recomendação de que se o quadro piorasse, a menina deveria ir embora, fazer repouso e procurar o profissional que executara o procedimento.

Depois daquela “consulta”, a menina aceitou ficar no encontro e não precisamos lançar mão da apresentação antecipada do namorado dela. Dali para a frente, aquele encontro não apresentou mais nenhuma intercorrência e, ao final, aquela menina dengosa, veio me agradecer pelo esforço que eu havia feito para que ela não saísse do encontro e estava muito feliz, sobretudo depois que encontrou o namorado.

GAVETA 3 – A neta e seu avô

Eram duas irmãs tão diferentes que era impossível falar-se que saíram do mesmo ventre e que foram criadas pelo mesmo avô. Mas estavam lá, as duas, fazendo uma das edições do encontro. Uma dando trabalho e a outra tranquila. A que dava trabalho, queria, porque queria, que deixássemos o avô visitá-la, a qualquer hora do dia ou da noite. Claro que neguei tal pedido. A dinâmica do encontro não permite isso.

Entretanto, chegou um momento em que o pleito da menina ficou insuportável e já estava atrapalhando as minhas atividades durante o encontro, tamanha era a insistência daquela menina manhosa na necessidade de falar com o seu avô. A menina implorava, quase chorando, para que eu deixasse o avô dela entrar no encontro para que ela pudesse conversar com ele pelo menos um pouco. Essa garota era tão dengosa que até a maneira de falar era um poço de manha. Perguntava se ela queria que a levássemos embora e a resposta era sempre negativa.

Até então, não tinha envolvido a irmã da dengosa, mas fui pedir ajuda a ela. Sua irmã me disse que ela tinha mesmo esse chamego com o avô, que era sempre assim e que seria difícil convencê-la de não vê-lo. Diante dessa informação, peguei o telefone, liguei para o avô, a fim de pedir para ele vir buscá-la e para levá-la embora do encontro. Para mim, ele falou que não iria buscá-la e que isso era só manha. Pediu, na sequência para falar com a neta. Passei o telefone para a menina e eles conversaram um pouco. Quando me foi devolvido o celular, perguntei o que seu avô havia dito e ela respondeu quase chorando, com todo aquele dengo que eu tinha presenciado nas últimas horas: “meu avô resolveu me abandonar e não vem me ver aqui”. Diante dessa fala, lhe disse: “Então, a partir desse momento, só venha conversar comigo sobre esse assunto se for para pedir para ir embora do encontro”. Deixei a manhosa lá, o encontro terminou e, no final, ela me agradeceu por não tê-la levado embora, pedindo desculpas pelo transtorno que causara.



POR QUE FICAR NESTA IGREJA?


Como dito, anteriormente, entrei para a Igreja Católica quando tinha em torno de dezessete anos. Não diria que foi uma decisão com uma consciência que seria a desejada, já que um ex-adolescente, de apenas dezessete anos, sem estudo, que nunca havia frequentado, para valer, qualquer religião ou Igreja, não tem condições de tomar uma decisão cem por cento consciente. Entretanto, foi uma decisão de cunho próprio, diferente de quando se introduz uma criança ao catolicismo, por meio do batismo, quando são os pais que decidem pelos filhos e assumem, em nome deles, o seguimento dos princípios cristãos ditados pela Igreja Católica.

QUANDO BATIZAR
Uma das grandes celeumas existentes nos vários ramos do cristianismo é a questão da idade em que o fiel pode ser batizado. A nossa Igreja batiza em qualquer idade, mas a preferência recai sobre a infância e, aqui, reside a grande discussão sobre o assunto. Os contrários à Igreja Católica alegam que batizar crianças contrapõe a própria bíblia, já que até Jesus Cristo foi batizado com mais de trinta anos. Essa teoria parte de uma premissa equivocada, pois o batismo de Jesus nada tem a ver com o batismo que nós recebemos. O batismo entregue por João Batista a Jesus foi um batismo de penitência, já o batismo entregue por um sacerdote a uma pessoa é um batismo que apaga os pecados.
Mas, os contrários alegam, também, que na bíblia não contém indicação nenhuma para serem batizadas as crianças. Peguemos, a título de exemplo, Mateus 28,19 “ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Fica claro que é para batizar a todos. Inclui crianças ou somente os adultos? Todos, é todos.
Entretanto, se optarmos por abandonar a abordagem teológica do tema, basta que o avaliemos pelo prisma histórico. Ainda, assim, são encontrados na bíblia os motivos para que os batizados fossem, em sua maioria, dirigidos aos adultos, embora a lógica aconselhe a aceitar que também crianças eram batizadas.
Como se sabe, a religião deixada por Cristo, que os apóstolos logo a nominaram de cristianismo, nasceu como uma seita dentro do judaísmo, já que Jesus era judeu, assim como toda a sua família. Na condição de seita, a ordem, naquele momento, era conquistar o maior número possível de seguidores. Essa conquista de fiéis era feita não só entre os judeus, mas também entre os pagãos. Isso fica bem claro quando, é patente na bíblia, Paulo ficou encarregado de levar a mensagem aos pagãos e gentios, enquanto Pedro ficou responsável por se relacionar com os judeus. Assim, os apóstolos e discípulos saíram pelo mundo convertendo pessoas à nova religião. Conversão feita, batizava-se o novo membro do cristianismo. Por óbvio que o alvo preferencial para a conversão eram os adultos. Mas, é mais ou menos lógico, também, o entendimento de que, após a conversão, o batismo era oferecido para toda a família. Diante desse quadro, é natural supor que, naquele momento, a maioria dos batizados acontecidos privilegiavam os adultos. As crianças que eram batizadas, nessa época do cristianismo, o eram apenas em função da conversão dos adultos da família.
O que mudou, de lá até os dias de hoje? A Igreja Católica continua a batizar adultos? Ou só batiza crianças? O que mudou, daqueles tempos até hoje, é que as crianças já nascem em famílias católicas. É de se supor que o membro de uma família católica seguirá o cristianismo por esta Igreja. Aliás, aos olhos da Igreja, é inconcebível que uma família que segue seus preceitos não consiga transmitir aos seus filhos a necessidade de seguir o catolicismo e, por esse prisma, se torna indiferente batizar aquele fiel na infância ou quando adulto.
Por outro lado, é de se considerar que as conversões continuam acontecendo. E quando isso acontece, é normal que haja batizado da pessoa convertida, desde que esta pessoa não tenha recebido um batismo aceito pela Igreja Católica como válido, pois nossa igreja aceita o batismo de muitas denominações cristãs como se batizados no catolicismo o fossem. Assim como muitas denominações cristãs aceitam o batismo realizado na nossa igreja. Ou seja, nossa Igreja continua a batizar adultos quando a situação exige, assim como no seu nascedouro a situação exigia que a maioria dos batismos recaíssem sobre adultos. Entretanto, isso não pode servir como argumento para se concordar com os não católicos que, em sua maioria, criticam nossa Igreja por batizar as crianças ainda de colo.

Nessas condições eu, muito mais do que as pessoas introduzidas na Igreja Católica na infância, tenho mais motivos para não abandonar a Minha Igreja. Sei que a ninguém deve ser dada a opção de abandonar o catolicismo, mas quem não tomou, de cunho próprio, a decisão de segui-la, poderia ter a atitude explicada, embora sem jamais ser justificada.

Então, seria um contrassenso para alguém que adotou essa Igreja já adulto, em um dado momento, entender que ela tem muitos problemas e, por isso, deixar de segui-la. Mesmo em outras circunstâncias, também não é aceitável que alguém abandone a nossa Igreja Católica. Não que ela não tenha problemas. Ela os tem, e muitos. Entretanto, todas as igrejas têm lá os seus problemas e, às vezes, muito mais graves do que os nossos. O que acontece é que os problemas da nossa Igreja são potencializados, especialmente na imprensa, por se tratar de uma das maiores igrejas do mundo e, naturalmente, por ser a igreja original, a pedra sobre a qual Cristo propôs a edificação da fé. Para se ter uma ideia, o censo de dois mil e dez indica que, no Brasil, somos quase cento e vinte quatro milhões de fiéis, enquanto os chamados “evangélicos” são um pouco mais de quarenta e dois milhões. Note-se que todos os católicos estão sob a égide de uma única Igreja, enquanto os “evangélicos” estão espalhados por um número tão grande de igrejas, que, devido a impossibilidade de serem recenseadas, não existe um registro onde apareçam todas as denominações “evangélicas” existentes no Brasil e no mundo. Isso faz com que a Igreja católica seja a mais visada em qualquer assunto. Qualquer problema que aconteça, por menor que seja, se torna grande porque o alvo é fácil de encontrar. Nas outras denominações, mesmo que haja problema, o alvo é difícil e a repercussão é mínima.

A par de tudo isso, ainda existe o fato de a Nossa Igreja Católica ter um perfil conservador. Isso incomoda muita gente que é dada aos modernismos. Mas, nossa Igreja tem mais de dois mil anos exatamente porque é conservadora. Ou seja, às vezes até muda, mas não ao sabor dos ventos. As mudanças ocorrem somente depois de muito estudo e com o embasamento suficiente para que não seja necessário voltar atrás nas mudanças empreendidas.

Aliás, nos últimos séculos, a nossa igreja conheceu algumas mudanças de peso que, de certa forma, atenderam aos anseios dos fiéis. Veja-se, por exemplo, o II Concílio do Vaticano. Esse concílio foi um divisor de águas na Igreja Católica nas questões de participação de leigos. Pois aproximou por demais os fiéis das celebrações e dos serviços pastorais. Nas celebrações, a maior revolução foi a de permitir que as missas fossem feitas nas línguas nativas de cada país, ao invés de serem celebradas em latim, uma língua morta, que, por mais que as grandes escolas a ensinassem, a grande maioria dos fiéis não tinham noção do que se tratava. Com a permissão de utilizar-se a língua local, isso foi encarado como quase uma obrigação e, hoje, quando se tem notícia de que alguém celebra uma missa em latim, a estranheza é geral.

Mas, ao fim e ao cabo, o que se percebe é que as mudanças que houve, nos últimos séculos, na nossa Igreja, na sua maioria não diz respeito às questões de cunho teológico, mas sim administrativo. Hoje, se discute muito sobre dois temas que muitas pessoas entendem que não coadunam com os tempos modernos: o celibato e a ordenação exclusiva para homens. Uma mudança nesses dois campos, apesar de ter um grande impacto na vida da Igreja Católica, nada teria a ver com a doutrina. Logo, pode-se convocar um Concílio para decidir sobre isso ou mesmo um Sínodo dos Bispos para discutir esses dois assuntos e propor alterações nas normas, para que seja possível que os padres se casem e que as ordenações sacerdotais possam ser dirigidas também às mulheres, sem que isto sequer se avizinhe do conteúdo doutrinário.

Por outro lado, dois outros assuntos, que também tem consumido muita tinta e muitos bytes na imprensa, é a questão do casamento entre homossexuais e a possibilidade de um segundo casamento na Igreja. Esses dois assuntos, sim, são rigorosamente questões doutrinárias. Nessas condições, será muito difícil a Igreja aceitar um ou outro. Para que isso pudesse acontecer, seria necessário que se fizesse uma interpretação da bíblia para esses dois assuntos, diametralmente oposta à interpretação que foi feita até o presente momento. Alguém vai ter a coragem de fazer isso? Me parece que não. Vale dizer; quem imaginar que a nossa Igreja possa um dia promover o casamento entre homossexuais ou aceitar celebrar um segundo casamento de pessoas que se casaram validamente na Igreja, pode desistir de esperar, pois jamais acontecerá. Isso é questão doutrinária e não se vê, ao longo da história, a Igreja Católica proceder alterações na sua doutrina, salvo raríssimas exceções.

POR QUE SABER DOUTRINA DA IGREJA
Sempre achei muito importante qualquer fiel conhecer a doutrina da igreja que segue. Aliás, acho que as igrejas dão pouca ênfase a este assunto. A minha teoria é fácil de entender. Eu sou católico, enquanto quase todos os membros da minha família, mãe, irmãos, cunhados, sobrinhos, são protestantes, da Assembleia de Deus. Eu sou cristão, eles também o são. A bíblia dá sustentação à minha Igreja, especialmente o Novo Testamento. À deles também. Eu sigo os evangelhos. Eles também. Então, o que me diferencia deles em questões religiosas? Exatamente a doutrina que eu sigo e a doutrina que eles seguem. Essas, sim, são diferentes, senão não seria outra Igreja. Daí, a importância de conhecermos melhor a doutrina da nossa Igreja. Visto assim, fica muito fácil chegar-se à conclusão do que vem a ser doutrina. Doutrina é, em última análise, a maneira como a minha Igreja interpreta os evangelhos.

Então, esse dito conservadorismo da Igreja Católica tem-se mostrado salutar para a instituição, mas tem sido também fonte de muitas críticas que sofremos. Entretanto, o conservadorismo é o menor dos problemas da nossa Igreja. Aliás, visto por certo prisma, é esse conservadorismo que impede a nossa Igreja de ter ainda mais problemas. Se a Igreja tivesse sucumbido aos modismos, muito provavelmente já teria sido tornada démodé, algo ultrapassado e gasto com o tempo. Não se submeter ao modismo fez com que jamais ficasse ultrapassada, resultando em crescimento, durante esses vinte séculos, sendo que, a cada dia, se consolida, ainda mais, como a verdadeira Igreja deixada por Cristo.

Entretanto, apesar deste crescimento e desta consolidação, nossa Igreja enfrenta problemas profundos, que mais tem a ver com a forma como é administrada, do que com conteúdo, que se refere à doutrina, aquela deixada por Jesus Cristo. Uma questão que vem perturbando sobremaneira a vida da nossa Igreja, diz respeito aos padres pedófilos. Nem Roma, nem as organizações episcopais dos países, nem as circunscrições (dioceses, arquidioceses e demais prelazias) conseguem tratar o problema de forma a que se resolva em definitivo. Menciono a questão de pedofilia porque, dentre os vários problemas envolvendo as atividades sexuais dos padres, há que se considerar que a pedofilia é crime na maioria dos países, inclusive no Brasil, independente do perfil ou do status social do pedófilo.

Pois bem, esse problema que pulula aos montes, pelo mundo afora, nas hostes da nossa Igreja, e que, no caso do Brasil, como se disse, é crime previsto em vários dispositivos do Código Penal e do ECA, não conhece uma solução que satisfaça as demandas atuais. A impressão que sempre se tem é que esses desvios criminosos dos padres só são punidos quando chegam às barras da justiça. Não se vê uma ação efetiva da administração da Igreja para tentar erradicar essa prática. Não muito raro, ouve-se, aqui e ali, que determinado padre foi transferido de paróquia porque se soube que as suas práticas sexuais eram pouco ortodoxas. O que isso quer dizer, nunca nos contam, mas já soube de casos bem próximos de mim, de sacerdotes que deixaram os seus serviços paroquiais, meio que na calada da noite, e, até hoje, ninguém sabe porque isso aconteceu.

Isso, aos olhos das pessoas, soa como uma espécie de proteção que a Igreja oferece aos seus membros, mesmo que essa proteção seja para alguém que cometeu o crime de pedofilia, por exemplo. Essa postura, no âmbito secular, chama-se corporativismo e, por óbvio, não se espera isso por parte da Igreja. O que todos esperam é que, ao descobrir qualquer falha dessa magnitude, a Igreja facilite a vida da justiça, e, se necessário, denuncie, para que a punição aconteça. Deixando de agir desta forma, a Igreja assume a culpa da prática indesejada do padre e denigre, ainda mais, a imagem da religião que a gente segue. Ou seja, a Igreja age como se a culpa fosse dela pelos eventuais desvios de caráter dos seus membros, o que, em absoluto, não o é.

Então, idealmente, a Igreja deveria tomar atitudes no sentido de expurgar os criminosos de seus quadros, entregando-os à justiça e isso desencorajaria outros a agirem da mesma forma. Em não agindo desta forma, a Igreja se expõe a críticas desnecessárias, pois se os criminosos fossem denunciados pela própria Igreja, jamais ela seria criticada como conivente. Até poderia ser criticada por ter em seus quadros pessoas perturbadas, doentes ou criminosas, mas, em contrapartida, ficaria claro e, por isso seria elogiada, que não compactua com isso. Em sã consciência, não se pode dizer que a Igreja compactua com isso, mas as suas ações, ou a falta delas, dão margem a esta interpretação.

Nossa Igreja também é muito criticada pelo comportamento sexual não criminoso de seus padres. Falo, assim, porque se critica muito o fato de alguns padres manterem relacionamentos sexuais com pessoas adultas, homens ou mulheres, que, a princípio, não configura crime, pois não existe, pelo menos no Brasil, a tipificação de crime pela prática de sexo consensual entre adultos. Logicamente que ninguém ignora que isso existe, e aos montes, assim como ninguém ignora que isso não é certo e, mais do que isso, aos olhos da Igreja, é pecado. Pode-se, então, perguntar: por que, se realmente é pecado, muitos padres continuam com a prática? A resposta a esta pergunta é de uma simplicidade assustadora. Também pela doutrina da Igreja Católica, o adultério é pecado e todas as pessoas que celebram o sacramento do matrimônio assumem o compromisso de serem fiéis uns aos outros, sob pena de estarem cometendo pecado. Mesmo assim, o número de pessoas casadas que cometem o adultério é absurdamente grande. Mutatis mutandis quando o padre recebe o sacramento da ordem assume o compromisso de ser fiel à Igreja e o celibato faz parte das promessas que o ordenado faz ao receber este sacramento. Vários são os motivos que a Igreja tem para exigir esse voto dos padres, mas o fato é que eles recebem o sacramento sabendo que o celibato lhes impõe uma vida de abstinência sexual e, como foi uma promessa feita durante a ordenação, a desobediência a isso passa a ter o caráter de pecado, pois, aos olhos da Igreja, a esposa do sacerdote é a própria Igreja e ao praticar sexo com qualquer pessoa, o padre está cometendo o mesmo adultério que um cônjuge comete quando pratica sexo fora do casamento. Isso, não resta dúvida, é pecado. Então, embora seja uma prática abjeta, qualquer padre que pratica sexo não criminoso está cometendo o mesmo adultério que os casais que “pulam a cerca”. Isso alivia a situação deles? Lógico que não. A Igreja deveria coibir isso também? Claro. Coíbe? Sim, e não. Coíbe quando tem uma nítida orientação indicando que não aceita esta prática. Mas, não coíbe à medida em que, ao descobrir casos de padres que não conseguem se abster de sexo, ao invés de puni-los, os transfere para outras paróquias, ou para outras funções. Raros são os casos em que a Igreja toma decisão mais drástica contra o padre que errou. Isso só acontece, normalmente, quando o caso se torna público. Naqueles casos em que a Igreja descobre antes de vir a público, via de regra a solução é transferir o Padre. Em alguns casos, a justificativa para a transferência passa até a ser o Direito Canônico, já que este define que a transferência de um padre deve ocorrer a cada seis anos e, como boa parte dessas práticas é de padres que estão há mais tempo na paróquia, usa-se isto como pano de fundo para a transferência, por conduta imprópria.

Entretanto, é necessário que não se culpe a Igreja por admitir em seus quadros pessoas com os mais variados distúrbios. É quase impossível de se evitar, sobretudo porque muitos desses distúrbios são adquiridos com o tempo. A questão de fundo é a honestidade dos seus membros. Isso acontece em qualquer organização que agrega pessoas que atuam em determinado ramo, seja sindicato, conselho, associação, sempre são encontrados membros que não seguem as orientações dos seus Conselhos de Ética. Por que seria diferente na Igreja? Então, o problema não é com as organizações, mas sim com os desonestos que insistem em pertencer à categoria. Isso não quer dizer que esses organismos não precisam tomar medidas para tentar coibir que desonestos pertençam às suas fileiras. Ao contrário, é muito salutar que esses órgãos tomem medidas neste sentido. Conseguir sucesso já é outra história.

OS SACRÍFICIOS DE CADA SACRAMENTO
Um dos grandes padres que me acompanharam por essa vida, certa feita me disse, textualmente: “padre é complicado. É alguém que não consegue amar verdadeiramente as pessoas, não consegue fazer amizades e vive muito isolado”. Fiquei com essas palavras duras na cabeça porque isso foi dito por alguém que tenho como um dos maiores exemplos de doação ao povo com quem tive a oportunidade de conviver. Tentei elaborar um pouco mais esse pensamento e cheguei a algumas conclusões.
Pela própria dinâmica de formação dos religiosos, eles são apartados, desde muito cedo, dos seus familiares. Normalmente, os seminários são em cidades diferentes de onde mora a família do vocacionado. Essas crianças e adolescentes, então, que aderem à preparação para viver uma vida religiosa, não muito raso, visitam a família apenas nos períodos de férias, um ou dois por ano. Isso, de partida, leva ao aspirante a padre, ou a freira, a perder aquele vínculo de convivência com a família. Depois de alguns anos no seminário, a família vira apenas uma referência, em um processo parecido com quem se casa e vai morar longe da família. Talvez, seja demais dizer que os seminaristas deixam de amar os seus pais e os seus irmãos. Entretanto, é forçoso reconhecer que essa separação faz esfriar o afeto existente entre os membros da família, o que é construído com a convivência diária, onde a luta de cada um é acompanhada par i passu por todos os membros e isso vai criando uma união muito forte.
Portanto, é razoável supor que os padres, ao final da sua formação, estejam quase que totalmente desvinculados afetivamente dos seus familiares. Se isso leva à falta de amor, não é possível afirmar.
Quando uma pessoa deixa a sua família, na maioria das vezes, é para se unir a outra pelo resto da vida e, praticamente, substitui uma ligação por outra. No caso dos aspirantes a padre, ou a freira, esse afastamento é para conviver com pessoas desconhecidas e, quando corre tudo bem, forma uma turma que segue por algum tempo, até completarem um ciclo de estudos: fundamental, médio e superior. Para cada ciclo desses, é muito comum trocarem de turma e formarem outra. Isso leva a uma total ausência de vínculo afetivo entre as amizades que se formavam. Quando são ordenados, normalmente, são mandados para lugares os mais longínquos possíveis, para lugares inóspitos, onde o recém ordenado não conhece, sequer, a natureza daquela população.
Esse constante deslocamento daqui para lá e de lá para cá, faz com que o padre, ou freira, ao ser ordenado não tenha qualquer vínculo afetivo com as pessoas. Talvez isso explique muita coisa do que a gente vê acontecer.
Talvez explique, também, a frase dita pelo padre no início deste parágrafo: “os padres não sabem amar”.
Mas, voltando ao título, existem dois sacramentos na Igreja Católica que, ao homem, é dado recebê-los: a ordem e o matrimônio, sendo que este último, também às mulheres é disponibilizado. Ambos envolvem sacrifício e isso é cristalino para quem opta por um ou por outro, não se justificando, portanto, a desobediência por quem deveria viver com fidelidade o sacramento recebido.
Quando um homem recebe, junto com a esposa, o sacramento do matrimônio, traz para si a obrigação de nunca mais pensar somente ou primeiramente nele. Ao contrário, deve pensar, primeiro, na esposa, para, depois, pensar nele. Ao nascerem os filhos, deve pensar, primeiro, na esposa e nos filhos, para, depois, pensar nele. Isso, por óbvio, traz muitos sacrifícios para o marido. Faz parte, portanto, do compromisso que o marido assumiu, o sacrifício que terá que enfrentar para viver da forma que Deus espera, a plenitude do sacramento do matrimônio. Vale a pena ressaltar que não é somente sacrifício o que o matrimônio proporciona. Se colocarmos numa balança, num matrimônio saudável, a felicidade pesará sempre muito mais que os sacrifícios.
Quando um homem recebe o sacramento da ordem, atrai para si uma gama grande de sacrifícios que lhe são exigidos. São sacrifícios tão grandes quanto aqueles vividos pelos casados, embora com características diferentes. Além de todas as barreiras, ainda tem um ingrediente a mais, que é a questão sexual. Lógico que essa questão é mais relevante e importante para os padres que querem viver honestamente o seu sacramento. Para esses, então, é um problema que tem que ser resolvido diariamente, já que não praticar sexo, para uma pessoa saudável, é contrário à natureza. Acredito que, mesmo para aqueles padres que não levam muito a sério o celibato, essa questão lhes perturbe, também, pois eles têm consciência de que fizeram a promessa ao receber o sacramento.
Mas os sacrifícios vão muito além das questões sexuais. Lembro-me de que, na minha adolescência, fui ao encontro de um padre que nos assistia e o encontrei bastante emocionado, com um telegrama na mão, cuja mensagem dava conta que a sua mãe havia sido sepultada na Itália. Isso dá uma noção do quanto um padre pode sofrer quando se coloca totalmente à disposição do serviço da Igreja. Não pode se fixar em lugar nenhum, pois, o próprio Direito Canônico fixa em, no máximo, seis anos a permanência dos padres em cada paróquia. Esse constante deslocamento faz com que os padres não consigam nem mesmo firmar uma amizade, o que pode ser bom para a estrutura da Igreja, mas para o sacerdote é muito ruim, pois não lhe é permitido formar qualquer laço mais forte. Com os familiares, o pai, a mãe e os irmãos, já foi perdido, como vimos antes. Com outras pessoas, não se pode dizer que não seja permitido, mas é tolhido pelo sacerdócio.
Isso, no limite, leva a gente a entender aquilo que disse aquele padre, quando vociferou: “padre é complicado e não consegue amar as pessoas”.

A desonestidade de algumas das pessoas que administram a nossa Igreja não se restringe às questões relacionadas ao comportamento sexual dos padres. Certa feita, conversando com um membro da nossa Igreja, que já exerceu funções muito importantes em sua hierarquia, ouvi a seguinte frase: “amigos meus não entendem porque depois de tanto tempo eu continuo pobre”. Pelo contexto em que esta frase foi dita, a lógica me permitiu deduzir que o meu interlocutor era uma exceção, ou seja, a regra é que existe acúmulo de capital por parte das pessoas que fizeram tal crítica.

O voto de pobreza, apesar de ser exigido por algumas ordens religiosas, não é obrigatório para a pessoa que pretende ser ordenada, sendo opcional fazer-se tal voto ao se tornar padre. Então, tem-se que, para quem fez o voto de pobreza, é “proibido” acumular bens pessoais e, para quem não o fez, é aconselhável não possuir bens pessoais, embora não “proibido”. Mas o que se vê são muitos padres acumulando patrimônios incompatíveis com o rendimento que auferem. Os padres recebem o que é chamado de côngrua, que é definida, numa famosa enciclopédia da internet, da seguinte forma: “Designa-se côngrua paroquial a tradição cristã paroquial e dever moral e religioso do crente contribuir financeiramente para a honesta e digna sustentação do seu pároco (o mesmo que presbítero). Estando ele todos os dias e todas as horas ao serviço da paróquia, ministrando os sacramentos e o ensino religioso, os paroquianos têm de contribuir para que ele possa servir em disponibilidade total”.

Essa contribuição, depende muito de cada diocese, mas, de início, é comum os padres receberem algo em torno de dois salários mínimos, podendo ir aumentando com o passar do tempo da “prestação de serviços”. Embora a côngrua seja apenas para as despesas pessoais, já que despesas com alimentação e alojamento é de responsabilidade das paróquias, o montante recebido pelos padres é pequeno, não sendo o suficiente para tornar possível o acúmulo de patrimônio. Claro que, não raro, muitos padres e bispos, exercem outras funções na sociedade, como professores, por exemplo, que, em tese, o ganho pode ser utilizado para acumular patrimônio, mas isso é a exceção e não a regra.

Vimos, aqui, como foi fácil listar alguns problemas que temos na nossa Igreja. E, com certeza, não são só esses. Encontramos muitos outros problemas. Mas, isto jamais pode ser motivo para que a abandonemos, pois, ao abandoná-la, estaremos abandonando a Igreja deixada pelo próprio Cristo. Ao contrário, devemos tomar consciência de todos os problemas da nossa Igreja, para que possamos enfrentá-los e tentar saná-los, já que, naquilo que podemos, devemos lutar para melhorar, e, naquilo que não podemos, devemos confiar que o poder das nossas orações, a seu tempo, resolverá. Até porque as outras Igrejas, também, têm lá os seus problemas e, não raro, muito maiores do que os problemas que enfrentamos na Igreja Católica. Os meios de comunicação não cansam de denunciar pastores e bispos de outras denominações com práticas muito mais heterodoxas do que as dos nossos padres e bispos.

Para as pessoas que possam se sentir tentadas a deixar a Igreja Católica por causa dos problemas existentes na sua estrutura, talvez seja o caso de decidir por não se fixar nos problemas, mas sim nas soluções que a nossa Igreja apresenta. É uma teoria que eu criei para poder conviver com certas coisas que me atormentam. Eu a chamei de Teoria da Irrelevância do Dano. Todos os problemas que a nossa Igreja enfrenta sempre ocorrem em consequência dos erros humanos, na porção pecadora da nossa religião. Então, considerando que Deus criou o ser humano falível e os erros cometidos pelos homens são muito insignificantes diante da grandeza de Deus, a irrelevância do dano torna-se patente, ou seja, o dano causado por esses problemas todos, que são criados para a nossa Igreja, é irrelevante para a minha fé. Resumindo, é mais ou menos o seguinte: esqueça a administração da nossa Igreja e seja cristão, pois é isso que Cristo espera de nós.

Então, a resposta à pergunta que deu nome a este capítulo, apesar de lógica, não é tão simples. A primeira consideração é que os problemas apontados na nossa Igreja, não sãos exclusivos dos católicos. Se algum fiel, de outra Igreja qualquer, que tiver a isenção necessária para reconhecer os erros de sua religião, quiser, relatará tantos problemas quanto eu relato, aqui. Isso tudo porque, assim como a nossa Igreja, como se disse acima, é santa e pecadora, todas as demais também o são. Algumas têm alguma característica dessas que sobressai mais do que a outra, mas, no fundo, todas têm essas características. Mesmo nessas seitas, que surgem aos borbotões, não se pode conceber que elas surjam apenas com intenções espúrias. É razoável aceitar que surgem com intenções nobres. Entretanto, o fato de serem administradas pelo homem, as fazem pecadoras, para contrapor à boa intenção com que foram criadas. Portanto, abandonar a nossa Igreja Católica em função dos erros que ela apresenta, chega a ser até ilógico, já que estar-se-ia deixando uma Igreja, onde você conhece todos os problemas que existem, e migrando para outra que você não tem sequer a menor noção de quais problemas tem, pois, a única certeza que se levará para a nova igreja é de, também, lá há problemas estruturais. A grande diferença entre os problemas de lá e os daqui, é que os de lá eu não conheço.

Outra consideração que deve ser feita para responder à questão proposta no título deste segmento, é o aspecto que diz respeito à posse. Sempre que se pronuncia a palavra igreja, não muito raro, o que vem à mente é aquele templo, muitas vezes pomposo, que é utilizado para os encontros semanais. Nada há de mais equivocado do que isso. Aqueles templos que, ao longo do tempo passaram a ser tão majestosos que, às vezes, me pergunto o que Jesus Cristo diria se entrasse num deles, são apenas os locais onde determinados grupos de fiéis escolhem para exercitar uma parte da sua fé, que é o encontro para partilhar com seus pares a palavra de Deus e, em algumas religiões, comungar o corpo de Cristo. Mas Igreja não é nada material. A verdadeira Igreja, nasceu sem templos e pode, naturalmente, viver sem eles. Não é que não seja confortável frequentar um templo com ar-condicionado, bancos e genuflexório almofadados. Mas a Igreja não é isso. Aliás, se atentarmos para a etimologia da palavra Igreja, constataremos que o significado é diametralmente oposto à ideia de templo, pois, ao construir um prédio com fins religiosos, onde as pessoas se encontram para exercer uma porção da sua religião, o que se faz é levar as pessoas para dentro dessas suntuosidades a que chamamos de templos. Mas a origem da palavra Igreja remete ao vocábulo grego ekklesia, que é composto de dois radicais: ek, que significa para fora, e klesia, que significa chamados, ou seja; a palavra Igreja significa, literalmente, “chamado para fora”. Igreja, então, é o povo de Deus reunido.

Desta reflexão sobre Igreja, somos levados, obrigatoriamente, a uma segunda reflexão necessária: quem é e quem possui a Igreja? As respostas para essas duas perguntinhas é apenas uma palavra: eu. Isso mesmo, para a pergunta quem é a Igreja? A resposta é: eu. Eu sou a Igreja e sem mim ela não vive e não existirá. À segunda pergunta: quem possui a Igreja? a resposta é: eu. A igreja me pertence, então, eu, além de ser a Igreja, também a possuo.

Diante disso, então, se a Igreja sou eu e a Igreja é minha, qual a finalidade de eu pensar em sair desta Igreja? Estaria eu deixando a mim mesmo? Estaria eu abandonando uma obra tão arduamente erigida por mim e por meus ancestrais, para que eu, meus filhos e meus descendentes possamos congregar com nossos pares religiosos? Pois, creiam, acontecerá exatamente isso se eu pensar em sair da nossa Igreja Católica; estarei abandonando a mim mesmo e deixando de lado a “minha” Igreja e não a Igreja dos “outros”. Vale dizer, sair da nossa Igreja por problemas criados por outras pessoas é dar muita importância para pessoas, que talvez não tenha tanta importância assim, em detrimento daquilo que realmente interessa, que é a importância que eu tenho nessa história toda.

Resumindo, não existem argumentos capazes de justificar a decisão de um católico por abandonar a sua Igreja. Se o fiel católico tomar esta decisão, com certeza será por motivos irrelevantes. Aqui, talvez, devêssemos rever o que disse o Papa Bento XVI, logo após sua eleição: "A Igreja não perdeu nenhum fiel. Aqueles que se foram, nunca foram fiéis católicos realmente. Não se pode perder o que nunca se teve. Os que deixaram a Igreja eram indecisos, curiosos ou pessoas que estavam apenas ‘cumprindo uma obrigação’ passada por seus pais ou por seus avós. Os que vêm e vão não pertencem ao Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja na Terra. Da mesma maneira, os que são católicos, mas ainda não estão na Igreja, infalivelmente chegarão ou retornarão a ela no devido tempo. A Igreja, Casa e Família de Deus, surgiu como um pequeno grupo; não importa a quantidade, e sim a qualidade dos seus filhos, como cristãos conscientes e santificados"


POR ÚLTIMO


Procurei, nesse livro, enfrentar alguns temas que considero bastante espinhosos, seja na nossa paróquia ou na nossa Igreja. O objetivo da abordagem é modestamente colaborar para iniciar uma discussão franca e aberta que possa ser uma fresta de esperança para que as coisas comecem a acontecer, do jeito que o Papa Francisco quer, uma Igreja onde a misericórdia seja o trilho a nos guiar de modo a sempre sermos dirigidos pelos rumos certos, do jeito que Cristo imaginou, uma Igreja verdadeira, onde a simplicidade fosse o carro chefe para conduzir a caravana em direção ao céu.

Não sei o efeito que esse trabalho vai ter nas pessoas que tiverem acesso a ele. Especialmente as pessoas envolvidas nesse desafio que estamos enfrentando há dez anos. Sei, porém, que, às vezes, fui muito duro com algumas pessoas, mas, se a gente se propôs a iniciar uma conversa franca e aberta sobre os problemas existentes, achei por bem não dourar a pílula e fazer as observações que entendi serem pertinentes.

Já pedi desculpas antecipadas por tudo o que ia dizer e, agora, peço desculpas postecipadas por tudo o que disse e, espero, sinceramente, que as pessoas que se identificaram nos fatos narrados e que possam ter se sentido afrontadas, me perdoem pela narrativa, mas, reafirmo, foi necessário narrar com a maior fidelidade possível tudo o que aconteceu. Tomei todo o cuidado para não deixar nenhuma palavra que pudesse ofender alguém. Mas, no tocante a sentir-se ofendido, sabemos todos, depende pouco de quem emite a mensagem, e, quase sempre, muito mais de quem a recebe.

Durante o livro todo, evitei dar nome às pessoas que se envolveram nos fatos narrados. Mas, neste momento, é necessário abrir uma exceção a essa regra para fazer os agradecimentos necessários, pois, como já se disse por aí, sozinho seria impossível implantar o INOVAR na nossa Paróquia. Por isso, quero agradecer nominalmente as pessoas que se juntaram a mim e à minha esposa nessa empreitada. Vou colocar os nomes por ordem alfabética, porque qualquer ordem diferente dessa poderia dar a ideia de preferência ou importância para a implantação do projeto e, creiam todos, não existe uma pessoa, dessas que serão citadas a seguir, que tenha menos importância do que outra na missão.

Então, os jovens que fizeram parte do início disso tudo que aconteceu, juntando aquele grupo que, de imediato, abraçou a causa, com aquele grupo, que aderiu para a realização do primeiro encontro, temos os seguintes: Aline Ferreira da Costa Nery, André Ricardo Gomes, Camila da Silva Botelho, Charles Deivide Chagas Lima, Ítalo Vinicius Ferreira da Cruz, Jones Augusto Lopes da Cruz, Marcus Vinicius da Rocha Gouveia Cardoso, Mariana de Mattos Ferrari, Marta se Sousa Matos, Paulo Saldanha de Azevedo Filho, Raymare Sodré Costa, Renan Gomes de Lima, Rodrigo Policante Martins, Sâmia Tolentino Ferreira, Samir Anderson Tolentino Ferreira, Thiago de Jesus Marques e Vânia Rodrigues Ferreira.

A esses dezessete jovens que enfrentaram o desafio que lhes foi colocado, creio que não existirá nada mais reconfortante do que saber que fizeram a diferença na vida de muitos jovens e famílias da nossa paróquia, de nossa cidade, de nosso estado. Um dia, quando alguém estiver realizando a versão cem do INOVAR, irá agradecer a esses heróis que abraçaram a ideia e, mesmo sem saber exatamente do que se tratava, cada um pegou a sua ferramenta e se apresentou a Deus como um instrumento para evangelizar jovens. Deus tem tocado o coração de muitos jovens desde aquele ano em que vocês optaram por sair da zona de conforto e escrever a própria história, como protagonistas dela, jamais como coadjuvantes.



POST SCRIPTUM

Quando me casei morava na maior cidade do Brasil e por aquele tempo tinha uma inquietação muito maior do que a que tenho hoje. Para dar vazão a toda essa inquietude, fui acolhido em um grupo de literatura e cultura. Era um grupo de pessoas que se reunia para discutir um pouco sobre poesia e outras manifestações culturais. O grupo do qual participava recebeu o nome pomposo de Grupo Lítero-Cultural TRAVESSIA, que tinha, dentre tantas funções, ajudar seus membros a editar os livros que produziam. Nesse contexto foram publicados alguns livros e aproveitávamos os lançamentos para realizar eventos de poesias e músicas em alguns pontos daquela grande cidade.

Quem comandava esse grupo era um jovem destemido e abusado que se lançava em projetos inacreditáveis. Jamais vi aquele jovem sentir receio de alguma coisa. Sob o comando dele o nosso grupo conseguiu se apresentar em lugares inimagináveis. Lembro-me de uma dessas apresentações feita em um espaço de uma recém-inaugurada estação de metrô que, não sei como, aquele jovem conseguiu fosse disponibilizada para nosso grupo.

A vida rodou, aquele jovem que comandava o grupo acabou indo para o interior do Estado, eu terminei por voltar para o Estado que morava antes e nunca mais nos encontramos. Mas, com as redes sociais, ninguém mais fica escondido por muito tempo e, há uns dois anos, reatamos o contato.

Nos últimos dias, sempre por redes sociais, nosso contato se tornou mais intenso, a ponto de trocarmos solicitações para que pudéssemos ler o último trabalho um do outro. Ele me mandou um romance que acabara de escrever, para que eu pudesse dar uma lida e emitir minha opinião. Li aquele trabalho de uma forma alucinante, pois não era possível parar de lê-lo. Um trabalho perfeito que não merecia, na minha opinião, nenhum reparo. Mas, em todo caso, fiz algum comentário sobre um ou outro personagem, uma ou outra cena. Sugeri, despretensiosamente um final diferente. Ele, para me agradar, alterou o final e disse que fez isso por causa da minha sugestão. Qual nada, o final ficou tão maravilhoso que ele já tinha escrito antes do meu pitaco.

Aproveitei a deixa e enviei os alfarrábios desse livro para que ele pudesse dar uma lida e emitir sua opinião. Nunca tomei uma decisão tão acertada na vida. Aquele jovem, que já não é tão novo assim, mas continua jovem, fez muito mais que dar uma opinião sobre o meu livro. Ele copidescou meus rabiscos. Com isso o texto ganhou uma dinâmica melhor. Não bastasse isso, ele elaborou o prefácio de forma tão fantástica que fico perguntando a Deus se mereço tanto. Obrigado Carlos Dignez Aguilera. Deus lhe pague.


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